«Era o fidalgo a única pessoa que exercia influência em Bento de Araújo, e tamanha que pudera arrancar-lhe alguns mil cruzados a juros, sob juramento de não dizer a alguém que lhos devia» (Novelas do Minho, 1.º vol., Camilo Castelo Branco. Fixação do texto e nota preliminar pela Dr.ª Maria Helena Mira Mateus. Lisboa: Parceria A. M. Pereira, 1971, p. 213).
Cá está o grande Camilo a dormitar. Sempre a elogiar a forma como o bom povo falava, e a trocar ninguém por alguém. Acontece aos melhores...
[Post 4135]
De modo algum. Uma vez por outra todos dormitam, embora Camilo menos do que qualquer outro. Mas não foi ao empregar «alguém» neste e noutros casos semelhantes, frequentíssimos na sua pena, que dormitou. Em português tanto se pode empregar «alguém» como «ninguém» nestes passos. É giro já registado e assente desde muito.
ResponderEliminarRepito também: antes de emendar qualquer clássico, e Camilo em particular, é melhor a gente verificar várias vezes.
― Montexto
Há aqui um choque de génios, e não me refiro a Montexto e a mim, que também o somos, mas a Camilo e ao seu querido João de Araújo Correia. Este filou-lhe, e bem, o erro.
ResponderEliminarNão há tal erro, Hélder. João de Araújo Correia, a quem já sabe quanto eu prezo, não é homem para dar quinaus a Camilo, «uma sombra picada das bexigas», como ele lhe chamou, mas picado ainda muito mais do génio da língua. Estou a ver que tenho de trazer para aqui o caso devidamente tratado por quem de direito. Espere-se pela demora porque, como sempre, não tenho a livralhada à mão.
ResponderEliminar― Montexto
Há, Montexto. E não mais longe que isto encontra o caso tratado por quem de direito: o mesmíssimo João de Araújo Correia na obra A Língua Portuguesa (Lisboa: Editorial Verbo [s/d, mas de 1959]) que tenho aqui citado nas últimas semanas. Por infeliz acaso, emprestei-a na quinta-feira passada. Contudo, qualquer leitor que tenha acesso à obra poderá ver que é assim.
ResponderEliminarNão quis significar que João de Araújo Correia não opinasse desse modo: se o Helder o afirma é porque é verdade e o leu na obra que cita ― e que eu não tenho nem li: o único livro de Araújo Correia sobre esta matéria que possuo, mas não tenho comigo, é a Enfermaria da Linguagem.
ResponderEliminarNão, o que eu digo é que o emprego de «alguém» naquele contexto não é erro, já foi analisado por mestres da língua, e o homem da Régua, com todo o seu mérito, que é grande, e muito me apraz reconhecer-lho, não constitui autoridade que se sobreponha à do homem de Seide.
― Montexto
Helder e Montexto,
ResponderEliminarA língua portuguesa, de
João de Araújo Correia, é de 1981. Trata-se duma antologia, de textos retirados de obras do autor sobre o idioma (e abundantemente de Enfermaria do idioma[sic]), feita por Fernando de Araújo Lima.
Fiz uma recensão (de página inteira) no número 11 do JL, desse mesmo ano. É um texto, esse meu, em que ainda hoje me revejo: louvo desabridamente e critico com firmeza.
Coincidência: ainda este fim-de- semana, Venâncio, li a sua crónica em linha «Autobiografia», em que alude à tal «crítica a Araújo Correia (na realidade, ao seu compilador)».
ResponderEliminarOra pois aqui temos quem por mais de uma razão se pode pronunciar sobre o tal reparo de Araújo àquele passo camiliano, se é que o não fez já na referida crítica...
- Montexto
Montexto,
ResponderEliminarA minha colecção do JL está guardada nos cafundós duma arrecadação (problema de falta de espaço, que reconhecerá). Mas sei que não fiz, em 1981, comentário ao reparo.
Lendo agora concontradamente a passagem de Camilo, julgo achar sentido para a 'positividade' desse «alguém» no precedente termo «juramento». Mas é só uma intuição.