16.6.09

«Chegar em»: brasileirismo

Ou velho lusismo?


      Há um texto, «Quem mexeu no meu texto?!», do escritor Gabriel Perissé sobre o trabalho do revisor que se encontra publicado em vários sítios da Internet e que agora me enviaram. Em lado nenhum, e não me poupei a esforços, se lê que o autor é ou foi revisor, pelo que é mais um texto literário do que um testemunho.
      «Tal como o goleiro no futebol, o revisor, na editora, é aquele que evita o pior (o gol adversário, o erro de digitação, a escorregada gramatical, a incoerência que ninguém percebeu, etc.).
      No entanto, é também o revisor quem mais sofre com as derrotas de um texto. Ele é o último homem (ou a última mulher) a ler o livro antes da fase de impressão gráfica, quando não há retorno...
      Monteiro Lobato dizia que a tarefa do revisor era das mais ingratas. Que o erro ou a falha se escondiam durante o processo de confecção do livro para, depois de tudo pronto, aparecer na primeira página aberta, como um saci danado, pulando, debochando do revisor.
      O revisor é um caçador de distracções. Uma de suas maiores alegrias (em que há uma pitada de vaidade) é encontrar deslizes do autor, perceber as gralhas que ninguém viu antes, corrigir detalhes que iam passar despercebidos.
      O revisor revisa com amor.
      O revisor sai de manhã, caneta em punho, em busca de verbos mal conjugados e vírgulas fugitivas.
      O revisor revisa com dor.
      O revisor chega em casa, à noite, com o coração cheio de parágrafos amputados e tópicos frasais remendados.
      O revisor revisa com ardor.
      O revisor enfrenta moinhos de vento que de fato moem o vento de palavras que o vento não leva.
Madrugadas insones, manhãs e tardes quentes, noites chuvosas, o revisor vai pulando as linhas e entrelinhas do texto em busca das ciladas armadas sabe Deus por quem.
      O revisor entrega o seu trabalho bem suado e abençoado. Recebe as moedas de prata que são, na verdade, moedas de ouro. Recolhe seus instrumentos de caça, enxuga o rosto, sorri. Sabendo que o autor poderá reclamar de suas intervenções, que poderá referir-se ao revisor, gritando: quem mexeu no meu texto?!
      O mérito da frase perfeita é do autor.
      O crime do erro cometido será do revisor.
      O revisor, porém, não se considera um injustiçado. O revisor vitimista abandonou a profissão no primeiro dia. O verdadeiro revisor, como o goleiro no futebol, sabe que nasceu para ficar ali, na pior posição de todas, para agarrar centenas de bolas difíceis e, talvez, deixar passar a mais fácil de todas.
Oços do ofíssio.»
      Há quase consenso, pelo menos em autores contemporâneos, sobre aquela construção do verbo chegar com a preposição em ser um brasileirismo. Quase. Tenho à minha frente a 6.ª edição da Gramática Histórica de Ismael de Lima Coutinho, datada de 1969. Nela, o autor, muito conceituado, afirma que já no latim a preposição in se usava com verbos de movimento: Vado in portum. Lembra também o autor que no francês se usa a mesma preposição em determinados casos: Je vais en ville. E, por fim, que a prática dos Brasileiros encontra justificação na antiga linguagem portuguesa, citando, entre outros autores, Camões, que n’Os Lusíadas escreveu: «Nalgum porto seguro, de verdade,/Conduzir-nos já agora determina…» (II, 32). Reputa assim de falso brasileirismo esta construção, provando que não passa de um velho lusismo. Contudo, passadas várias décadas, a construção tornou-se de facto um brasileirismo.

3 comentários:

venancio disse...

Exactamente!

Anónimo disse...

Gostei das ponderações, e de ver meu texto servir como pretexto, no melhor dos sentidos! Obrigado, Helder!

Gabriel Perissé
www.perisse.com.br

Helder Guégués disse...

Caro Gabriel,
É excelente ter pretextos tão bons.
Obrigado.

Obrigado, Fernando.