11.4.11

«Portas travessas»

É o que se diz

      «Portas travessas e por portas e travessas. “Fazer algo por portas travessas” significa fazer as coisas de forma pouco clara, às escondidas, socorrendo-se de esquemas, subterfúgios ou ainda fugindo à lei. Apesar de a expressão correcta ser “por portas travessas”, com o tempo, a frase tem vindo a ser modificada, e hoje é comum ouvir-se dizer “por portas e travessas”. O problema é que com esta alteração perde-se o sentido original da expressão, já que esta nada tem a ver com portas ou travessas enquanto vielas, ruas estreitas, mas sim com as portas travessas, ou seja, com as portas secundárias, laterais de uma casa, as chamadas portas de serviço, as entradas não principais» (Mafalda Lopes da Costa, Lugares Comuns, Antena 1, 11.04.2011).
      Será mesmo assim? Hum... É o que se diz por aí, mas... Consultamos, por exemplo, o verbete do adjectivo «travesso» no Dicionário Houaiss e a primeira acepção é, como seria de esperar, «disposto transversalmente; atravessado». A segunda acepção é «disposto ao lado, em direcção paralela ou quase; lateral, colateral». A terceira e última acepção (estou a consultar a versão electrónica) é «situado defronte a; fronteiro, oposto». Ora, será mais crível que porta travessa designa uma porta das traseiras de uma casa, por ser, justamente, mais oculta, mais discreta. E porta traseira era o nome que antigamente se dava à porta falsa em certas casas, e que ficava por detrás da casa — e não ao lado. E mais: bacorejando-lhe baixeza, o P. António Vieira usou, em vez de “porta traseira”, “porta travessa”. Fica o palpite.

[Post 4678]


5 comentários:

Paulo Araujo disse...

Antenor Nascentes, em seu 'Tesouro da fraseologia brasileira', dá a 'por portas travessas' o significado de 'por meios ocultos, indiretos, ilícitos', como você bem ajuizou a questão. Quanto ao qualificativo 'brasileiro', do título de seu livro, esclarece o autor, no prefácio, que em sua maioria as frases são portuguesas, mas que ele chamou a todas 'brasileiras' por serem correntes no Brasil.

Anónimo disse...

Portanto, as frases que na sua maioria circularão nos EUA esse tal crismá-las-á de camones, na Escócia escocesas, na Irlanda irlandesas, na Nova Zelândia neozelandesas, na Austrália australianas, etc. Ao Nascentes nascem-lhe ideias destas. Que dor, Antenor!
— Montexto

Paulo Araujo disse...

Não é incomum esse tipo de titulação de obras lexicográficas:
Webster, Noah. American Dictionary of the English Language, 1828.
Craigie, William. Dictionary of American English, 1936(?).
Poirier, Claude. Dictionnaire historique du français québécois, 1998.

Anónimo disse...

Vejo que esses dicionários incluem — lisamente — as vozes «inglês» e «francês» nos seus títulos, e não as omitem pura e simplesmente, como o honesto Antenor cala «português». Pertencesse ele ao mundo bifecamone ou franciú, e veríamos se não baptizava os seus partos, em letras bem garrafais, com o incontornável (palavra em moda) «English» ou até com o ultimamente algo apoucado «français»... Tão certo como haver oliveiras.
— Mont.

Paulo Araujo disse...

Não ficaria melhor se ele tivesse posto "Tesouro da fraseologia do Português Brasileiro", ademais por não existir essa língua. Tão certo quanto haver jabuticabas.