10.5.08

Relativas cortadoras (I)

Não cortes

Jornal Nacional da TVI, ontem, debate entre Bagão Félix e Carvalho da Silva. À pergunta de Manuela Moura Guedes sobre se concordava com as recentes alterações ao Código de Trabalho, de que foi o mentor, Bagão Félix respondeu: «Não tenho uma visão maniqueísta: há coisas que concordo e coisas que discordo.» A eliminação, nesta última oração — oração relativa, mais especificamente denominada relativa cortadora, aquela em que ocorre um “corte” do sintagma nominal relativizado e da preposição que precede o pronome relativo —, das preposições pode atender a um princípio de natureza pragmático-discursiva e está abundantemente estudado, sobretudo no Brasil, onde o fenómeno começou ainda no século XIX. Na oralidade, vai atingindo (?) o estatuto de regular. Na escrita, incide mais sobre outros verbos, como o verbo gostar (* Este é o livro que eu mais gosto).
Voltemos à frase de Bagão Félix. Na oralidade, a propensão para a agramaticalidade neste tipo de oração é ainda propiciado pelo facto de estarmos perante dois verbos com regência diversa: concordar rege a preposição com; discordar rege a preposição de. Maria Helena Mira Mateus e Esperança Cardeira, na obra que tenho vindo a citar nos últimos dias, Norma e Variação (Caminho, 2007), escrevem: «Ora em 265 orações relativas analisadas em discursos de rádio, televisão e imprensa, 74 (portanto 28 % do total) têm supressão da preposição pedida pelo verbo. […] Esta alteração sintáctica aproxima as duas variedades do Português (Europeu e Brasileiro) numa questão que tem sido apresentada, nas gramáticas tradicionais, como uma das diferenças mais notórias entre ambas» (pp. 70-71).