E por falar em soar: até 1945, salvo erro, só as consoantes consoavam, e todo o tempo. Os homens apenas podiam consuar, e não somente na quadra própria, mas todas as noites (vejam acepções do substantivo respectivo). Naquela altura, ensinava-se que vinha de consum, do latim cum+sub+unum. Actualmente, está tudo amalgamado na mesma grafia, e a etimologia de «consoada» já é outra. Evoluções...
[Post 4361]
«Mudança possui tudo» (Bernardim, «Menina e Moça»).
ResponderEliminar- Montexto
«CONSOAR, v.; consoada, s. Também não me parece sustentável a tese de D. Carolina Michaëlis (na “Rev. Lus.”, I, pp.117-132). Mais admissível parece a do P. Arlindo R. da Cunha (na “Rev. Port.”, III, pp.232-237): do lat. “consolari-”, “reconfortar, consolar, adoçar, aliviar (a infelicidade, a dor, etc.); compensar, fazer esquecer”, donde “consolata”, f. de “consolatu-”. p. p. do mesmo v. Séc. XIII? “Avendo pela renda dos dictos beens duas tavolas ao dia, sem outra consoada, nem cama, nem al, que nem ffor veguilia, e quanto a ffor, huma tavola, e a noyte consoada”, cit. por Cort. s. v. O v. no séc. XVI: “Nas vesperas do Natal cõsoaua publicamente em sala cõ todo stado de porteiros de maça, reis d armas, trõbetas, atabales, charamelas, & em qnãnto cõsoaua dauão de cõsoar a todolos senhores… depois desta cãsoada [sic] acabada mãdaua Vasqueanes… de consoar [sic] ás damas da Rainha…», Góis IV, cap. 84, p. 199» (José Pedro Machado, «Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa», 8.ª ed., 2003, II).
ResponderEliminarA insustentável (no ver de J. P. Machado) D. Carolina sustentava por sua vez, no lugar susocitado, que «Fica pois estabelecido, desde já, que é da fórmula “de consum” que quero derivar o verbo “consoar” e o substantivo “consoada”, cuja forma arcaica “consuada” por “consunada, consuanada”, infelizmente ainda não descobri». E «É bem sabido que na grande maioria das famílias do povo português a refeição da noute [note, caro BIC: noute] é, em certo sentido, a principal porque é a única em que, depois do trabalho jornaleiro feito e pronto, todos (ou quasi todos), os membros da família “se reúnem” em volta do lar caseiro para comerem em companhia, conjuntamente, DE CONSUM, como se dizia antigamente e como ainda agora se diz em Trás-os-Montes (e talvez algures).»
Enfim, a douta Senhora relaciona ainda as outras hipótese propostas para explicar o enigma, a saber:
. a que identifica «consoar = comer ao fim de um dia de jejum» com «consoar = soar juntamente, rimar»;
. a que tira «consoada» do lat. «consolari», que parece ser a do padre Arlindo da Cunha, sufragada por José Pedro Machado, como se viu. Mas, no ver agora de D. Carolina, «sem reparar no impróprio da formação, e numa circunstância singular, mas importante, o facto de todos os derivados antigos e modernos deste verbo conservarem o i. intervogal»;
. a que a considera um «composto de “con» e “cear”, lat. “concoenare”, propondo a ortografia “conçoar” e julgando admissível a mudança do “e” de “cear” em “o”, por assimilação ao “o” de “com” (!!)»;
. e «Uma quarta etimologia, de que ninguém se lembrou, mas que se podia ter proposto [notai: o homem (ou mulher) da glote hodierno escreveria, sem falha, «que se poderia ter colocado»] com igual direito, é o lat. “contionari” (donde viria “conçõar”, “consoar”).
Agora faltava sopesar as razões do padre Arlindo da Cunha, mas não disponho do seu estudo.
Conclua-se.
Mas parece que nunca jamais em tempo algum ninguém descobriu ou avistou a «consuada» e o «consuar»…
- Montexto
«Da linguagem do Natal fazem parte as palavras consuar, consuada, que antes se escreviam com o na segunda sílaba, onde a reforma ortográfica de 1911 mandou pôr u. Esta alteração tem levado tempo a intalar-se e a vencer o costume anterior.
ResponderEliminarAssim como o antigo consoar com o nada tinha com som, assim o moderno consuar com u nada tem que ver com suar “transpirar”. Durante anos e anos não puderam os pobres etimologistas consuar descansados, sempre a cismarem na origem desta palavra. Caldas Aulete queria derivá-la do latim consolari, sendo assim consuada a idéia de consôlo; Domingos Vieira entendia que consoar era corrupção de concear, isto é: cear em companhia. Os filólogos modernos, senhores de métodos mais científicos, acabaram com estas hesitações e fantasias. D. Carolina Michaëlis lembrou, e Gonçalves Viana concordou, que o verbo consuar viesse de cum + sub + unare, exprimindo assim reforçadamente a idéia de “reünião”, “companhia”, “comunidade”. Ainda hoje se usa em Trás-os-Montes a expressão de consum, que se tornou arcaica no resto do País, e significa “juntamente”, “de companhia”. Vamos de consum = Vamos juntos» (Agostinho de Campos, «Linguagem do Natal», in Língua e Má Língua. Lisboa: Livraria Bertrand, 1944, pp. 276-77).
Nada de novo. Até aí sabíamos. O que continua a não constar é que alguém avistasse — nem a própria D. Carolina, como ela própria confessa com pena, porque seria um argumento em favor da sua conjectura — a forma «consuar» e «consuada» em documentos escritos, ao invés do que sucede com «consoar» e «consoada». Agostinho de Campos tacha de fantasias as teses do «consoar»; José Pedro Machado, posterior a ele, e com obra mais científica neste campo, considera insustentável a tese do «consuar». E eu receio que talvez ambos tenham razão...
ResponderEliminarQuanto ao «de consum», acrescentei-o ao meu dicionário quando o topei no texto de D. Carolina, mas nunca o ouvi em Trás-os-Montes, e conversei com muita gente de lá, e muito idosa.
— Montexto