A troika
«Muito manifestamente, os senhores a que pedimos para mandar em nós, depois de observarem a balbúrdia indígena, não têm confiança nos portugueses para tratar sem ajuda dos problemas de Portugal» («O mau aluno», Vasco Pulido Valente, Público, 6.05.2011, p. 48).
Temos duas acções — pedir e mandar — e dois sujeitos, «os senhores» e «nós». Para distinguirmos, não devemos usar o infinitivo pessoal ou flexionado?
[Post 4748]
Sim, porque o sujeito de «pedir» é diferente do sujeito de «mandar».
ResponderEliminarPortanto, aconselhável e correcto seria: «Muito manifestamente, os senhores a que pedimos para ‘mandarem’ em nós...»
Melhor, contudo, talvez, por referido a pessoa: «Muito manifestamente, os senhores ‘a quem’ pedimos para mandarem em nós...»
Mas há mais: não faltou quem ensinasse que o verbo «pedir» rege «que», e só se usa com «para» quando o que se pede se refere ao sujeito, ou seja, se refere a quem pede, e pratica ou sofre isso que pede.
Assim,
• correcto será: «Muito manifestamente, os senhores ‘a quem’ pedimos que mandem em nós...»;
• e correcto também, por ex: «Peço para sair», se for eu a sair;
• mas: «peço-te que saias»,
• e não: «peço-te para saíres».
• Enfim, condenava-se também a fusão das duas formas: «peço-te para que saias»; basta «pedir para...» ou «pedir que...», consoante os casos.
*
Mas não vos preocupeis: isto era em tempos, a bem dizer, mitológicos.
Agora isto não passa de caturrice ininteligível, se não ridícula, no admirável mundo novo.
— Montexto
P.S. — Mas o uso dos infinitivos permite muita liberdade, e obedece a várias razões, como à eufonia e ouvido, à posição na frase, ao tipo de verbo que os precede, enfim ao estilo, e não só à lógica. E não duvido de que se topem exemplos como esse em Sousa, Vieira, Bernardes ou Garrett. Ex: «Nós ouvimo-los cantar, nós mandámo-los dançar»; também aqui há dois sujeitos diferentes, um para cada verbo, e raro se dirá: «nós mandámo-los cantarem, nós mandámo-los dançarem».
ResponderEliminarAqui ao lado, a Sintaxe Histórica Portuguesa, de Epifânio, enuncia regras mais ou menos fixas para alguns casos, mas deixa vasto campo de manobra para outros. Consagra uma página ou mais a diversos exemplos, se bem me lembro.
— Mont.
Bem certo que o uso do infinitivo é algo elástico. Quanto ao pedir para e pedir que, também eu assim pensava, mas Vasco Botelho de Amaral, sabe-o decerto, pensava de outro modo: «Se o povo diz pedir para, e se eu vejo que Herculano escreveu no Eurico — pediu para falar a sós» — que me importa a mim que se critique a construção pedir para?
ResponderEliminarE que assim não lêssemos em Mestres da Língua?... Nunca se ouviu o povo dizer portuguêsmente pedir para ir e de modo semelhante?» (Glossário Crítico de Dificuldades do Idioma Português, Vasco Botelho de Amaral. Porto: Editorial Domingos Barreira, 1947, pp. 275-76).
Repare que nesse caso de Herculano parece-me que se cumpre a regra de o verbo que se segue a «pedir para» se referir ao sujeito de «pedir».
ResponderEliminarMas vá reparando na prática dos clássicos, e vê-la-á seguida em geral, se é que não sempre.
— Montexto