Quem fez isto?
Talvez F. V. Peixoto da Fonseca tivesse razão: o feminino (e o plural) oficial de «todo-poderoso» é um disparate. «Todo» é advérbio? Recuamos e o que se lê sempre é (esqueçamos agora o hífen) todo poderoso, todo poderosos, toda poderosa, todas poderosas. Temos de esperar que se legisle noutro sentido.
[Post 4737]
Outro dia, um Napoleão na sua Waterloo; hoje, um Peixoto fora de água.
ResponderEliminarConste pois que «there are more things in portuguese language, F. V. Peixoto da Fonseca, than are dreamt of in your philosophy».
- Montexto
Eça de Queirós não contará, e muito menos David Mourão-Ferreira, Jorge de Sena, Urbano Tavares Rodrigues, mas vejo aqui em António Pereira de Figueiredo e Fr. Tomé de Jesus, por exemplo, toda poderosa/todas poderosas. São, decerto, mistérios da língua, mas não muito antigos, ao que parece.
ResponderEliminarE nos Sermões do P. António Vieira também se lê «toda poderosa», mas não ponho as mãos no lume, pois é numa edição de 1951 que o estou a ver.
ResponderEliminarNos clássicos encontram-se também exemplos de «meio», advérbio, flexionado, como já se advertiu neste blogue, em que se corrigiu - e mal - um passo da «Guia de Casados», de D. Francisco Manuel de Melo, como Cândido de Figueiredo também condenou esse emprego nas suas «Lições de Lingiuagem», condenação por sua vez condenada - e bem - por José Leite de Vasconcelos nas «"Lições de Linguagem" do Sr. Cândido de Figueiredo», como se pode ver aqui ao lado.
ResponderEliminarCom efeito, a atracção explica essa prática reiterada a ponto constituir um facto da língua.
E, embora o correcto, seja dizer «meias meio feitas, portas meio abertas», os factos da língua autorizam «meias meias feitas, portas meias abertas».
Assim também, quando se diz «aquela rainha é todo poderosa ou todo-poderosa», «todo» é advérbio, equivalente a «totalmente», «de todo», e, portanto, mantendo-se invariável, respeita-se a sua natureza adverbial. Isto é a regra. O que precisa explicação é a variação «toda poderosa» ou «toda-poderosa», em que «toda» modifica como advérbio «poderosa»; essa explicação é a mesma que aceita «meios» e «meias» em vez de somente «meio».
Quando se diz: «a seara está toda loira», significa-se que «ela está completamente, totalmente loira», ou «loira de todo», e só por atracção do adjectivo («loira»), e/ou do nome adjectivado («seara»), o advérbio («todo») que o gradua ou modifica concorda com ele em género (e, sendo o caso, em número).
Por isso, cuido que era R. de Sá Nogueira que até nestes casos ensinava - e mal - que nunca se flexionasse o advérbio, caindo neste caso na mesma hipercorrecção de Cândido de Figueiredo a propósito de «meio», e que mereceu a este o justo quinau de Leite de Vasconcelos, já referido.
Concluindo:
- quando se diz: todo poderosa ou todo-poderosa ou todo-poderosas ou todo-poderosos, diz-se bem, seguindo-se a regra estrita da invariabilidade do advérbio;
- quando se diz: toda poderosa, toda-poderosa, todas poderosas, etc., está-se a sucumbir à atracção do adjectivo e até do género do nome, prática que de tão constante se tornou um facto da língua, como no caso de «meio», mas não só.
- Mont.
Olhe isto, Helder.
ResponderEliminarhttp://ricardosergiopantaneiro.blogspot.com/2011/03/o-feminino-todo-poderosa-nao-existe.html
Mas creio, sim, que o meu meio homónimo Fernando Venâncio Peixoto da Fonseca tinha razão.
[Conheci o senhor há dois anos, um antes de ele morrer. Durante dezenas de anos tínhamos tido curiosidade um pelo outro, com profissões e nomes tão semelhantes, sendo a um e a outro atribuídos erradamente livros e artigos, e parece que elogios. Falámo-nos uma tarde em sua casa, a Benfica. Fiquei com essa a menos atravessada.]
Nestas matérias não se crê nem se descrê. Estas matérias dirimem-se à luz da gramática e dos factos da língua.
ResponderEliminar- Mont.
Yes, Sir! Eu cubro-me de cinzas e visto-me de sarrapiheira. E nem assim aplacarei a vossa ira.
ResponderEliminarNesta matérias - e em quase todas, - «sine ira et studio», caro Venâncio, «sine ira et studio».
ResponderEliminar- Montexto
Concluindo: afinal Peixoto não andou fora de água.
ResponderEliminarIrrepreensível conclusão! Mas é bem verdade: «non omnia possumus omnes».
ResponderEliminar- Mont.
Rodrigo de Sá Nogueira também diz o seguinte, no «Dicionário de Dificuldades e Erros de Linguagem», Clássica Editora, 3.ª ed., 1989, p. 249, 245, 359:
ResponderEliminar«MEIO – em bom português deve dizer-se: “ele ia ‘meio’ vestido”, “ela ia ‘meio’ vestida”, “eles iam ‘meio’ vestidos”, “elas iam ‘meio’ vestidas”. – “Meio” é ali um advérbio e, como tal, é uma forma invariável que equivale a “meiamente”, forma que se não usa em português.
É gramaticalmente errado, pois, dizer-se: “ela ia ‘meia’ vestida”, “eles iam ‘meio’ vestidos”, “elas iam ‘meias’ vestidas”.
O mesmo acontece com as formas adverbiais “TODO”, “MUITO”, “POUCO”.
No 1.º vol. das minhas “Questões de Linguagem”, pp. 227-228 (2.ª ed.), escrevi o seguinte: […] como se deve dizer: “meio desfalecida” ou “meia desfalecida”? A 1.ª construção é mais gramatical, visto que, sendo, “meio” advérbio, ele deve ser invariável. Em todo o caso, é corrente fazerem-se concordar aquelas duas palavras como se vê na 2.ª construção, por uma ATRACÇÃO SINTÁCTICA.
Camões disse: “Huns caem meios mortos…” (“Lus.”, III, 50). “Onde outros meios mortos…” (“Ibid.”, III, 113). “Esta meia escondida, que…” (“Ibid.”, X, 131).
Veja-se sobre o assunto Epifânio, “Luíadas”, nota a III, 50; Dr. Leite de Vasconcelos, ‘“As Lições de Linguagem’ do Sr. Cândido de Figueiredo”, pp. 10-11, 2.ª ed. [tendes ligação para elas aqui ao lado, no blogue; aí Leite de Vasconcelos, contra Cândido de Figueiredo, aceita, fundado nos exemplos mais clássicos e autorizados, que se diga não somente, por exemplo, «meio mortos», mas TAMBÉM «meios mortos» - notai bem: nem só «meio mortos» nem só «meios mortos», mas «meio mortos» E «meios mortos»], e “O Gralho Depenado”, p. 8 (3.ª ed.), que cita outros exemplos de clássicos.
É de notar na sua edição desastradíssima dos “Lusíadas”, Gomes de Amorim não emenda nem comenta os versos acima citados de III, 50, e X, 131; mas, acerca do III, 113, diz, ingenuamente: “Isto não pode ser de quem conhecia perfeitamente a língua: e, por isso, corrijo, certo de ser esta a lição do poeta.” A propósito desta infelicíssima edição, veja-se o opúsculo do Sr. Dr. Leite de Vasconcelos “O Texto dos Lusíadas”. (Cf. “Opúsculos”).
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MEIO VESTIDA – Diga-se, por exemplo: - “Aquela rapariga ia ‘meio’ vestida”, e não “meia vestida”. – Aquele “meio” é ali um advérbio, e os advérbios, como se sabe, são formas invariáveis: “Meio vestido”, “meio vestida”, “meio vestidos”, “meio vestidas”. – Aquele “meio” está ali por “meiamente”, que se não usa. – De igual modo e pelas mesmas razões, deve-se dizer: “TODO vestido”, “TODO vestida”, “TODO vestidos”, “TODO vestidas”. – Aquele “TODO”, como no caso de “meio”, está ali por “todamente”, que também se não usa.
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TODA VESTIDA DE AZUL. TODO VESTIDA DE AZUL – Não é correcta a 1.ª construção. Deve-se dizer: “TODO” (e não “TODA”) vestida de azul”. Aquele “TODO” NÃO ESTÁ ALI COMO ADJECTIVO, MAS SIM COMO ADVÉRBIO EQUIVALENTE A “TOTALMENTE” (“Todamente”, forma que se não usa): “Aquela senhora apareceu no baile TODO (isto é, “todamente”) vestida de azul.”»
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Portanto quem fez isso sabia o que fazia.
- Mont.
p. 250, em vez da 245, digo.
ResponderEliminar- Mont.
Todo vestido de azul podem achar-me. Porém, a sugerir eu, por suposição, à sr.ª embaixatriz para se arranjar «todo vestida» de azul ou lá na cor que seja, não me apanham. Pode arranjar-se toda vestida de azul que fica muito bem e eu assimilo. E a gramática também, tal como faz com o feminino de «embaixador» e sem se meter com quem seja casada a sr.ª embaixatriz ou se vai toda bem ou mal vestida.
ResponderEliminarCumpts.
«Ad libitum.»
ResponderEliminar- Mont.