12.10.06

Revisão e tradução

Os limites da revisão

Um mafioso está nas ilhas Maurícias a traficar passaportes falsificados. Espera receber o que pediu por eles e voltar ao seu país. Algo começa a correr mal, pois o interessado diz-lhe que, ao contrário do que estava combinado, vai pagar em rupias mauricianas, que é uma moeda restrita. Acrescenta, contudo, que poderá proceder ao câmbio, com toda a segurança, junto de outro comparsa. Depois de alguma contrariedade inicial, o mafioso pede que o seu contacto o leve a essa terceira personagem. «’You’ll have to go there alone, man,’ the passenger said, laughing happily. ‘He’s in Singapore.’» E o tradutor escreve, e bem: «— Terás de ir lá sozinho, meu — disse o passageiro, rindo alegremente. — Ele está em Singapura.» Como reagirá o mafioso? Vejamos: «‘Singa-fucking-pore!’ I shouted, as that little whirlwind flared in my mind.» E o nosso tradutor, como reagirá ele? «— Singapura?! Merda!! — gritei, com aquele pequeno furacão a crescer na minha mente.»
Para onde foi o jogo linguístico, menor aliás, do original? O que deve fazer o revisor? Se este corresponder ao protótipo que está na mente de alguns profissionais do meio editorial, limitar-se-á a reflectir se os pontos de interrogação e de exclamação não estarão trocados, tentando interpretar o que tem mais força, se a exclamação se a interrogação, um esforço inglório e que escapará ao escrutínio da esmagadora maioria dos leitores. Formalmente, está tudo correcto, ou não? Os dicionários, é óbvio, de nada servem neste aperto. Se estiver a rever em Word e tiver instalado o FLIP, este ainda lhe dirá, numa advertência escusada e antiescatológica: «Calão (sem sugestões)». Se o revisor não se encaixar, e será bom para todos que não, a começar talvez pelo tradutor, na imagem do manga-de-alpaca caça-gralhas, proporá um jogo linguístico equivalente ao do original. Algo como: «— Singaporra! — gritei, com aquele pequeno furacão a crescer na minha mente.» Claro que o título deste texto poderia ser, e estaria a falar do mesmo:

Os limites da tradução

2 comentários:

Anónimo disse...

Eu tenho outra sugestão para a Tradução... apesar de não ser do meu hábito escrever palavrões (fui educada assim), lá terei que o fazer... afinal, esta é a minha área de estudos! (a Tradução, subentenda-se!!!!!!!!!) "Singapura da merda??" (...)
quanto a material de revisão automática... ou dicionários online... nem pensar em utilizar, são puros assassinos do vocabulário! prefiro os "velhinhos" e tradicionais dicionários normais! Em tamanho XXXl, claro está... Seja quem for que tenha escrito o artigo... está muito bem escrito, concordo com o que diz, sr. Helder Guedes... (não sei se é mais novo, se mais velho do que eu, às tantas estou aqui com tantas formalidades... mas como gosto de respeitar as pessoas e não faço a menor ideia com quem falo...).
Espero que a minha alternativa seja relevante, porque eu acho que faz sentido... não tenho tido grande oportunidade de pôr em prática o que aprendi com a minha licenciatura, por isso é natural que já esteja a ficar um pouco "enferrujada"...

T disse...

Singaporra é uma maravilha!