Responde Camilo
O Dicionário Houaiss lembra que Antenor Nascentes aventou a hipótese de o vocábulo «jeropiga» provir de «xaropiga» (de «xarope»), por ser uma bebida adocicada. Camilo Castelo Branco detém-se na ortografia do vocábulo na preciosidade que é a obra O Vinho do Porto, Processo de Uma Bestialidade Ingleza, Exposição a Thomaz Ribeiro, publicado em 1884. Atente-se no facto de actualmente os dicionários apenas registarem a variante «jeropiga», conforme consigna o Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves.
O Dicionário Houaiss lembra que Antenor Nascentes aventou a hipótese de o vocábulo «jeropiga» provir de «xaropiga» (de «xarope»), por ser uma bebida adocicada. Camilo Castelo Branco detém-se na ortografia do vocábulo na preciosidade que é a obra O Vinho do Porto, Processo de Uma Bestialidade Ingleza, Exposição a Thomaz Ribeiro, publicado em 1884. Atente-se no facto de actualmente os dicionários apenas registarem a variante «jeropiga», conforme consigna o Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves.
«Para corroborar o Forrester e açular as iras contra o vinho do Porto, o outro pamphletista, Whittaker, invoca a opinião unanime dos medicos inglezes que reputam o vinho procedente de Portugal uma peste para o estomago e para o figado; por quanto o summo de uva é quasi uma idea abstracta na moxinifada de agua-ardente, baga, melaço e jeropiga. Elle não escreve sem desculpavel horror a palavra JEROPIGA.
Porquê? Vaes agora entrar no segredo da bestialidade ingleza, meu amigo.
Foi assim.
James Forrester, tão respeitador dos vinhos portuguezes como da nossa ortographia, tinha escripto «Jeropiga» com J. Parece que d’esta bagatella não devia surdir grande equivoco na percepção do pensamento; porém, succede que a palavra com G ou com J dá duas significações de coisas e serventias, e entradas e sahidas muito diversas. Whittaker, para saber radicalmente o que era Jeropiga, abriu o Diccionario portuguez de Constancio, e encontrou: JEROPIGA, Ajuda, clyster, bebida medicinal.
Tremulo de indignação e livido de nôjo, brada o inglez: «Esta ultima expressão (bebida medicinal) é o mesmo que mézinha; quanto ás duas primeiras (ajuda, clyster) são a mesma coisa, tem o mesmo sentido, e dispensome de as traduzir. Que bellas coisas a gente bebe!»
Ó Thomaz Ribeiro, quem não sentiria vontade de mandar o inglez beber outras? Mas o peor da passagem foi que a droga do clyster diluida no vinho do Porto fez abalo intestinal no mercado de Londres. Raro seria o consummidor de vinhos portuguezes que não levasse as mãos convulsas á região hypogastrica, com ptyalismo e vomitos. O artigo foi logo trasladado a francez, em Bruxelles, na Revue Britannique ou choix d’artistes traduits des meilleurs écrits périodiques de la Grande-Bretagne (1849). Em Paris foi commentada desabridamente, com chalaças, a porca e pelintra fraude lusitana em um artigo da Revue Œnologique. Portugal, á conta do execravel jota de Sir James Forrester, foi considerado um paíz de immunda selvageria que, ministrando clysteres pela bocca, tornava communs de duas entradas as suas mézinhas. Triste!»