Oriente-se
O leitor J. J. L. chama-me a atenção para uma suposta gralha na crónica de hoje de Baptista-Bastos no Diário de Notícias. Eis o trecho em questão: «A melodia dos desinteressados toca os corações desprevenidos. Quando se soube que o Governo pendia para a Ota, indiscutível e inexoravelmente, a especulação imobiliária foi desencadeada. Mário Lino*, dramático e seguro, levemente irado, abertamente decisivo, transformou o jamais francês no estandarte de todas as vitórias. Quando foi apresentada a proposta de Alcochete, argumentativamente muito mais económica, os protestos e os apupos chegaram de alguns pontos cardiais» («A santidade dos patriotas», Diário de Notícias, 7.11.2007). «Pontos cardiais»? J. J. L. supõe — ou receia — poder haver ali algum jogo linguístico subtil — ou subtilíssimo, pois o não entende. Especula: «Será isto uma gralha, ou pretendeu o jornalista-escritor sugerir que “os protestos e os apupos chegaram de alguns corações”? Que é o mesmo que voltar a uma não-discussão — em que fui esquecido — sobre se as virtudes seriam «cardeais» (as principais, ou fundamentais) ou «cardiais» (vindas do coração?).» Os pontos são e só podem ser cardeais, isto é, principais. Ambos adjectivos de dois géneros, «cardeal» vem do latim cardinalis,e; «cardial», por sua vez, é relativo à cárdia, que é o orifício que faz a comunicação entre o esófago e o estômago. E o que tem isto que ver com o coração?, perguntarão. «Cárdia» vem indirectamente do grego ĸαρδια, que significou, inicialmente, «coração». Posteriormente, por analogia de forma, passou também a ter o significado de «orifício superior do estômago», e, depois, «estômago».
* Não é inocentemente (como podia ser?) que incluo na citação a referência a Mário Lino. Ao meu texto «Eu sabia que era árabe», um leitor deixou-me um comentário (que decidi, por estar escrito com grande desleixo, recusar) em que afirma que erro grosseiro era o meu, pois o «rapaz» (não seria ele o «rapaz»?) queria mesmo escrever «alforge», já que — atentem na lógica, por favor — «alforge», além de ser o que já sabemos, «era até nome do blog do actual ministro Mário Lino e nem sei como é que me lembrei disto agora....». Eu também não, caro anónimo, mas a ingestão pós-prandial, ainda que moderada, de espíritos explica muita coisa. Se é anónimo, caro, não é ofensa.
O leitor J. J. L. chama-me a atenção para uma suposta gralha na crónica de hoje de Baptista-Bastos no Diário de Notícias. Eis o trecho em questão: «A melodia dos desinteressados toca os corações desprevenidos. Quando se soube que o Governo pendia para a Ota, indiscutível e inexoravelmente, a especulação imobiliária foi desencadeada. Mário Lino*, dramático e seguro, levemente irado, abertamente decisivo, transformou o jamais francês no estandarte de todas as vitórias. Quando foi apresentada a proposta de Alcochete, argumentativamente muito mais económica, os protestos e os apupos chegaram de alguns pontos cardiais» («A santidade dos patriotas», Diário de Notícias, 7.11.2007). «Pontos cardiais»? J. J. L. supõe — ou receia — poder haver ali algum jogo linguístico subtil — ou subtilíssimo, pois o não entende. Especula: «Será isto uma gralha, ou pretendeu o jornalista-escritor sugerir que “os protestos e os apupos chegaram de alguns corações”? Que é o mesmo que voltar a uma não-discussão — em que fui esquecido — sobre se as virtudes seriam «cardeais» (as principais, ou fundamentais) ou «cardiais» (vindas do coração?).» Os pontos são e só podem ser cardeais, isto é, principais. Ambos adjectivos de dois géneros, «cardeal» vem do latim cardinalis,e; «cardial», por sua vez, é relativo à cárdia, que é o orifício que faz a comunicação entre o esófago e o estômago. E o que tem isto que ver com o coração?, perguntarão. «Cárdia» vem indirectamente do grego ĸαρδια, que significou, inicialmente, «coração». Posteriormente, por analogia de forma, passou também a ter o significado de «orifício superior do estômago», e, depois, «estômago».
* Não é inocentemente (como podia ser?) que incluo na citação a referência a Mário Lino. Ao meu texto «Eu sabia que era árabe», um leitor deixou-me um comentário (que decidi, por estar escrito com grande desleixo, recusar) em que afirma que erro grosseiro era o meu, pois o «rapaz» (não seria ele o «rapaz»?) queria mesmo escrever «alforge», já que — atentem na lógica, por favor — «alforge», além de ser o que já sabemos, «era até nome do blog do actual ministro Mário Lino e nem sei como é que me lembrei disto agora....». Eu também não, caro anónimo, mas a ingestão pós-prandial, ainda que moderada, de espíritos explica muita coisa. Se é anónimo, caro, não é ofensa.
4 comentários:
Li com admiração que considera «cárdia» um substantivo do género feminino... Sou estudante de Medicina e a «feminização DO cárdia» sempre nos foi apontado como um erro crasso... Afinal, em que ficamos?
Ficamos, pelo menos, em duas coisas: as faculdades de Medicina não são modelares no ensino da língua, até porque não foram criadas para esse fim, e o termo «cárdia» tem os dois géneros.
Não acredita portanto que o autor em questão tenha optado conscientemente por um desvio à norma linguística?
(E posso apenas imaginar qual seja a sua resposta à expressão «virtudes cardiais»...)
Com que objectivo? Também eu não concordo com todas as normas linguísticas — mas acato-as para me fazer compreender. Melhor será perguntar ao autor.
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