«Saiba vossa majestade/quem é Genebra Pereira/que sempre quis ser solteira/por mais estado de graça.» É um excerto do monólogo da feiticeira — cuidado!, agora tem de se antepor sempre a precauciosa palavrinha «alegada», pois apenas dizem que era feiticeira — Genebra Pereira, do auto vicentino Fadas. Ao que parece, esta forma de tratamento, vossa majestade, era pouco comum na primeira metade do século XVI, época em que ainda continuava, depois de séculos a usar-se, Vossa Mercê, que depois se estendeu a qualquer membro da pequena burguesia urbana — e, por fim, foi parar, através do você, à estrebaria. Isto é mero intróito para falar de uma questão relacionada com formas de tratamento no último romance histórico de Isabel Stilwell, D. Amélia — A Rainha Exilada Que Deixou o Coração em Portugal (Lisboa: A Esfera dos Livros, 2.ª ed., 2010. Revisão de Lídia Freitas e Sofia Graça Moura). Numa cena (p. 327) que decorre no dia 13 de Janeiro de 1891, por exemplo, D. Amélia está acompanhada de uma das suas damas, a duquesa de Palmela, Helena Maria Domingas de Sousa Holstein. E D. Carlos aparece:
«— Boa tarde, Helena.A duquesa de Palmela levantou-se e cumprimentou-o.
— Estava já a sair, Sua Alteza.»
E é assim na obra toda: Sua Alteza para aqui, Sua Alteza para acolá. Primeira questão: a forma de tratamento por alteza não se aplica somente a príncipes, arquiduques e duques? Ora, D. Carlos, que tinha sido príncipe real e duque de Bragança, com a morte do pai, o rei D. Luís, fora aclamado rei de Portugal a 28 de Dezembro de 1889. Como soberano, tinha direito a ser tratado, e sê-lo-ia decerto, por majestade. Segunda questão: porque é que a autora não respeitou a distinção entre tratamento directo e tratamento indirecto? Estando a dirigir-se directamente ao rei, a duquesa de Palmela deveria ter dito Vossa Majestade. Se se estivesse a referir, numa conversa com terceiros, ao rei, deveria usar a forma de tratamento indirecto, dizendo então Sua Majestade.
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3 comentários:
Caro Helder,
Vossa Majestade, Sua Majestade e semelhantes não são vocativos. No vocativo, desaparece o pronome. A fala deveria, pois, ser:
- Estava já a sair, Majestade / Alteza.
Erro crasso. Imperdovável. E onde estão os revisores?
Fernando,
Tem razão, o pronome não faz parte do vocativo. Era o terceiro aspecto que eu devia ter referido. De qualquer modo, permanece válido tudo quanto afirmei, a saber: que na forma directa de tratamento só se pode usar Vossa, e não Sua, pronome reservado para a forma indirecta, e, igualmente relevante, que a forma de tratamento reservada a um soberano é Majestade, e não Alteza.
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