De vez em quando lembro-me do critério (mesmo que tenha sido apenas um piscar de olho ao leitor) de Joaquim Vieira, ex-provedor do jornal Público: «No seu caso, o provedor, ao redigir um texto, costuma pensar: “Será que os meus pais vão perceber o que escrevi?” (para esta crónica, se não desistirem a meio, vão seguramente necessitar de recorrer com muita intensidade aos dicionários). Tudo o que pode pois recomendar aos jornalistas do PÚBLICO é que tenham idêntica atitude.» Voltei a lembrar-me deste conselho quando li o seguinte título da edição de hoje: «Proibição dos movimentos especulativos na Alemanha atira bolsas para o vermelho». Terão pais da jornalista Rosa Soares, autora do artigo, percebido o título? É verdade que a expressão «estar no vermelho» se ouve quase todos os dias na rádio, mas ainda assim, o leitor/ouvinte médio apenas pode entreconhecer o sentido, o que é manifestamente pouco. Sim, a primeira frase lança luz sobre o significado, mas de forma indirecta: «A decisão alemã de proibir o naked short-selling sobre acções e obrigações europeias gerou ontem uma queda violenta nas bolsas» (p. 22). Parece-me ser mera tradução da expressão inglesa to be in the red. O Aulete Digital é, pelo que vi, o único que a regista: «Situação deficitária de um país, de uma empresa ou de uma pessoa: Somente agora ele conseguiu sair do vermelho.»
De qualquer modo, fica-me sempre a dúvida: a escrita incompreensível é um desiderato ou fruto da inépcia? Quantos leitores terão compreendido estes «envios culturais e políticos»? «Revelada com Laborintus (1956), livro de estreia duramente criticado por Pasolini, a sua poesia, no seu tom céptico e irónico, e no seu deliberado prosaísmo, é uma desconcertante mistura de trivialidades do quotidiano, jogos de palavras e envios culturais e políticos» («Morreu o poeta italiano Edoardo Sanguineti, o autoproclamado “último marxista”», Luís Miguel Queirós, Público, 20.5.2010, p. 19).
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1 comentário:
Com uma exceção, todos os dicionários brasileiros registram a acepção de 'vermelho' conotada à situação deficitária de pessoa,empresa ou governo, que, por isso, é expressão de muito uso. A dívida pública, ou agora o saldo da balança comercial, nos lembra, todos os dias, sua situação 'no vermelho'.
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