23.10.10

Sobre «estanco»

Franco sabia


      Não terei ouvido, em toda a vida, mais de meia dúzia de vezes alguém usar a palavra «estanco». E mesmo assim, analiso agora, à distância, em tom desinformadamente depreciativo. Embora me pareça que o étimo está na língua espanhola, não é disso que vou curar. Assentemos num facto: o conceito é o mesmo em ambas as línguas: loja onde se vendem artigos estancados. O problema, para o falante português, começa logo aqui, pois não sabe o que são produtos estancados. São produtos cuja venda não é livre. Passemos agora para Espanha. Aqui, os estancos fazem parte do dia-a-dia. Nele podia-se adquirir sellos, cerillas, sobres y tabaco, isto é, selos, fósforos, sobrescritos e tabaco. Depois da guerra civil, o general Franco começou a compensar as viúvas dos militares caídos (apenas do lado nacionalista, claro) com estancos e casas de jogos (loterías, em espanhol). Dependendo embora da localização, os estancos eram actividade não para sobreviver mas para enriquecer, sobretudo nos últimos trinta anos. Como são uma concessão do Estado, não se podem trespassar, pelo que é negócio hereditário. E não podem estar fechados durante muito tempo. Ainda ontem me contaram, alguém que o conhece, que o actual proprietário do estanco do Aeroporto Madrid-Barajas é um cientista de renome. Embora não precisasse do estanco, não renunciou a ele, pois não sabe se não vai precisar dele para os filhos, ainda pequenos. Assim, pôs à frente do negócio uma pessoa da família, assalariado. Ser proprietário de um estanco é uma garantia, dada a actual crise. Actual é uma maneira de dizer, é uma crise que vem dos anos 90 e todos querem que acabe em 2011, mas com muita sorte acabará lá para 2020. Em Espanha, nos anos 90 já se falava numa geração perdida, a geração JASP: jóvenes aunque sobradamente preparados. Sobradamente porque eram licenciados, tinham pós-graduações, só não tinham emprego. Agora fala-se na geração ni-ni: ni estudia ni trabaja.

[Post 4001]

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