Talvez o leitor ainda não tenha dado por isso, distraído com outras magnas questões, mas a palavra «líder» está a meter o bedelho onde nunca, raios a partam!, foi chamada. Agora já se diz e escreve, imagine-se!, o «líder da Câmara de Sintra», o «líder da PGR», o «líder da AG do Sporting», e expressões quejandas. Só no primeiro caderno do Público de hoje, foi usada 13 vezes. Se considerarmos vocábulos da mesma família, incluindo o verbo, o número ascende quase a três dezenas. Agora só falta ver Miguel Esteves Cardoso a escrever que comprou umas inigualáveis tângeras, clementinas, romãs e castanhas ao líder das bancas do mercado de Colares. Algum hortelão mais vivaço.
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3 comentários:
Há sempre alguém que presta atenção a estas questões ou questiúnculas. «O Diabo está, nos detalhes», como terá escrito e pontuado Pacheco Pereira, «apud» Rui Tavares, que lhe fez a poda, inclusive à pontuação, num artigo recente do «Público».
Passa-se com certos estrangeirismos, e maiormente com este, o mesmo que com os eucaliptos, que, transplantados lá dos antípodas, logo alastram qual escalracho vampirizando em espectro sempre crescente a vegetação autóctone circunfusa, - com a diferença de que as árvores ainda dou de barato que nos prestem para alguma coisa, mas não este anglicismo escusado, e que por isso só devia merecer a execração da gente asseada.
No mesmo caso está legião deles da mesma casta, como o negregado «é suposto», quase na via de deixar de se estranhar para se entranhar (como diria o outro): em legendas de películas e mais traduções aparece onde na origem nem sequer se empregou o correspondente literal.
Já por outro lado, se de alguém se pode afirmar com toda a propriedade que foi uma lufada de ar fresco para os asfixiados pela ditadura cultural de esquerda que grassou em Portugal no séc. XX, é de Miguel Esteves Cardoso (a outra, política, foi de direita: a ideia é de Alçada Baptista - «suum cuique...», o seu a seu dono). Só é pena que uma alma amiga ou caridosa, lá nas redacções por onde ele andou, lhe não segredasse ao ouvido algo parecido com o que certa italiana aconselhou ao bom Jean-Jacques (mas em transes muito outros, por mais íntimos): «Miguelinho, não digo que deixes o inglês, mas vai estudando mais o português.»
Pesa-me sinceramente de o reconhecer, mas as crónicas do nosso homem não são coutada defesa para a caça ao peregrinismo, e até ao solecismo.
Como agora não tenho nenhum livro seu comigo, fica a demonstração para uma próxima vez.
- Montexto
Prometido é devido: cá está o «Último Volume», Assírio Alvim, 1991. Folheemo-lo muito pela rama: «somos forçados a rendermo-nos à evidência», p. 7 (a render-nos). «nas cortes havia, para além do Povo, Nobreza e Clero», p. 7 (além). «Em vão se apela ao governo», p. 10 (para o governo). «sou hoje um de os Gajos de que falam a malta mais nova», p. 19 (um dos Gajos de que fala...). «a razão porque o poder corrompe», p. 21 (a razão por que). «É preciso muita paciencia», p. 21 (é precisa). «mais respeito pelo morto e pela vida», p. 25 (ao morto e à vida). «e como haveremos de viver?», p. 25 (havemos). «os Portugueses são impossíveis de animar», p. 31 (é impossível animar os ...). «não tem nada a ver com este bem», 31 (que ver). O melhorezinho, p. 32 (melhorzinho; o plural é que é melhorezinhos). «correndo o risco dessa graça ser má, p. 32 (de essa). «Porque carga de água é que os órgãos internos ...?, p. 44 (por que carga de água os ...). «que Deus me perdoe, mas ..., p. 53 (Deus me perdoe, mas ...). «Vamos todos encontramo-nos, p. 54 (encontrar-nos). «temo pelo meu ganha-pão», p. 54 (por causa do meu ...). «Uma coluna cujo principal teor crítico ..., p. 54 (de que o principal...). «Portugal vai apagando-se da cena, p. 55 (vai-se apagando). «o facto do jovem afilhado ter votado», p. 55 (de o jovem). «Massa que paristéis Viriato..., onde estivésteis ... porque demorastéis..., p. 57 (paristes, estivestes, demorastes). onde pusésteis..., p. 58 (pusestes). «Em Portugal, não resultava, p. 59 (não dava resultado). «o que prova que não é suposto lembrarmo-nos, p. 60 (não nos devemos lembrar). «a ideia recebida de que os inimigos devem ser cavalheiros, p. 65 (a ideia feita). «A essência da vida são os outros. A nossa época é-lhe contrária», p. 67 (é-lhes). «Deixêmo-nos de betices, p. 68 (deixemo-nos). «as pessoas que se habituam a serem felizes, p. 72 (a ser). «os amigos que se tem no caminho de casa, p. 73 (que se têm). «o desprezo que demonstram por aqueles que deixam, p. 73 (àqueles ou daqueles). «como se já não o merecessemos, p. 73 (merecêssemos). «Tem mais a ver com a acumulação, p. 74 (que ver). Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima, p. 76 (que ver). «viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz, p. 77 (parece ser antes: do que quem vive feliz). «porque é que é sempre nos momentos ..., p. 80 (uso e abuso constante de «é que»). «E pela vida ser desprovida de sentido ... que Deus tem de existir, p. 89 (É por a vida ser ...). «chama-o infantil, p. 93 (chama-lhe). «não tem qualquer valor, p. 94 (não tem nenhum ou algum valor). «Deveríamos organizarmo-nos, p. 95 (organizar-nos). «dei-me conta de que, p. 99 (dei fé, ou tento, de que, reparei em, adverti em , atentei em). «a atracção pelo abismo, p. 104 (do abismo). «fiquêmo-nos pelo tremoço, p. 110 (fiquemo-nos). Boa-tarde. Diz-me onde fica ..., P. 122 (Boa tarde ou boas tardes). «Um tanto-ou-quanto-taralhoco, p. 127 (um tanto ou quanto taralhouco). «Os assassinos estrangeiros fazem questão de continuarem vivos, p. 129 (de continuar). «é fácil de mais perdoá-los, p. 132 (perdoar-lhes). «sei que os Porturgueses se lavam muito mais que os franceses ou ingleses, p. 135 (Franceses ou Ingleses). «uma dúzia de papo-secos, p. 151 (papos-secos). «só não podemos é armarmo-nos naquilo em que não somos, p. 154 (armar-nos naquilo (ou no) que ...). «esta é a forma do culambista profissional assegurar-se que nenhum cu tomará assento em Belém, p. 157 (de o culambista profissional se assegurar de que...). «prefiro ler uma entrevista de Baptista-Bastos ... do que ler os esforços de muitos jornalistas, p. 175 (prefiro ler ... a ler os esforços de...). - Montexto
Continuação:
«chico-espertos, p. 180 (chicos-espertos). «até pela maneira como se tratam entre eles, p. 182 (entre si). «desculpabiliza toda a gente dizer...», p. 184 (desculpa). «daquela coluna que leu há uns anos atrás, p. 196 (há uns anos). «se chegou até aqui, é porque passa-se algo de muito grave consigo, p. 196 (é porque se passa algo de muito grave consigo (ou melhor: com o senhor)). «mas os outros que sonham com o salto, do qual se sabem incapazes, p. 165 (do qual sabem que são incapazes, ou: do qual se têm por incapazes). Etc., etc. Mas já chega.
Aliás, quem lesse o seu Camilo, nem que fosse só para espairecer das angústias de Beckett, não ignoraria a exprobração deste emprego do verbo «saber» pela boca do morgado de Agra de Freimas: «Que é isto? "Assassinato" é coisa que me não cheira a idioma de Bernardes e Barros. Seja o que for, é coisa horrível que sai das cadeias com seus delineamentos, contra homens que "os presos sabem ricos". Aqui, senhor presidente, neste "sabem ricos", quem sofre o "assassinato" é a gramática. O aticismo desta frase é grego de mais para ouvidos lusitanos» («A Queda dum Anjo», Ulisseia, 3.ª edição, cap. XVII, p. 147).
- Montexto
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