5.11.10

«Desesma»?

Viva ou morta


      Procura-se: «Então porquê este cansaço, esta desesma até para falar, excepto para gritar de raiva?» (Solo Virgem, Turguiénev. Tradução de Manuel de Seabra. Lisboa: Editorial Futura, 1975, p. 159). Claro que pode ser gralha. Nem o recurso a um dicionário inverso nos deu qualquer pista.

[Post 4051]

12 comentários:

Paulo Araujo disse...

Foneticamente está próximo de leseira, "falta de energia, de ânimo, de disposição, esp. para agir; moleza, preguiça, indolência..." (Houaiss).
Parece escaneamento de livro antigo que não passou por crítica.

Helder Guégués disse...

É uma edição de 1974.

Anónimo disse...

A única pista que pude achar na Internet foi qualquer coisa relacionada ao catalão. Não sei se faria sentido... Por exemplo, este dicionário aqui http://dlc.iec.cat/results.asp

Anónimo disse...

Complementando: nesse dicionário de catalão, é dada a seguinte definição para a palavra "desesma": "manca d'esma".
E, consultando "manca", temos que é "1 adj. [LC] Faltat 1 .
2 adj. i m. i f. [LC] [MD] Mancat d’una mà o d’un braç." Ou seja, é faltar, carecer de, etc. E "esma", por sua vez, é "1 f. [LC] Aptesa a fer instintivament, maquinalment, alguna cosa. Caminar d’esma. No tenia ni esma de menjar. Després de la notícia, no va tenir ni esma de parlar.
2 [LC] perdre l’esma Perdre la facultat de l’orientació, de saber per on es va o què es fa."
Não acho completamente absurdo supor que possa ter vindo daí, do catalão, sendo, portanto, "denesma" um possível sinônimo de moleza, apatia, lassidão, etc.

É uma possibilidade.

Paulo Araujo disse...

Agora, sim. Está no bilingue "Diccionario Castellano-Catalán-Català-Castellà"(VOX-2007: 'desesma f. desaliento, desánimo, falta de tino'.

Anónimo disse...

Então, saí-me bem de Sherlock...

Helder Guégués disse...

Muito obrigado. Catalão! Numa tradução para português, um vocábulo catalão... Agora já consultei vários dicionários de catalão e sim, tudo leva a crer que o tradutor só neste vocábulo encontrou correspondência perfeita para o termo russo.

Anónimo disse...

Realmente!
Eu li esse romance do grande estilista russo editado pela Civilização com o título de «Terra Virgem»; como não tenho a livralhada comigo, não posso dizer quem é o tradutor, de cujo nome já me esqueci (talvez Daniel Gonçalves?). Mas não me parece que se visse tão aflito para verter coisa assim corriqueira, que tivesse de pedir emprestado ao catalão verbo de que em Portugal e em português se pode dizer o que outrora Francisco Sanches da «mui nobre e alta ciência»: da qual nada se sabe, «quod nihil scitur».
Pelos vistos, desde algum tempo faz parte mais do que nunca dos costumes privados e públicos lusos pedir emprestado - verbo ou verba.
- Montexto

Paulo Araujo disse...

Curioso é saber que nada é mais presente na história de Portugal do que a nau, tomada de empréstimo do catalão, no século XIV, para levá-lo aos confins do mundo; e "se mais mundo houvera, lá chegara".

Vítor Lindegaard disse...

Queria só acrescentar que, segundo a Wikipedia, Manuel de Seabra é um tradutor especializado no catalão, que traduziu muito desta língua e que "vive intermitentemente em Barcelona e Lisboa". "Em 1999 foi eleito presidente da Associação de Escritores de Catalunya"; "Em 2001 o governo catalão concedeu-lhe a Cruz de São Jorge" e "junto com sua esposa Vimala Devi, criou O Grande Dicionário Português-Catalão". Está explicado o catalanismo (isto existe?).

Anónimo disse...

Com efeito, está explicado. Antes do resultado da investigação aturada do Sr. Paulo Araújo, eu já me tinha lembrado de procurar a naturalidade do tradutor, para depois repassar os provincianismos respectivos, mas não me lembrei da profissão.
Já tenho reparado em que ultimamente cada um procede como se tivesse o direito e até o dever de contribuir para a «evolução» da língua com uma palavra da sua formação ou deformação particular ou profissional. Tudo com a melhor das intenções e para maior glória da dita.
- Montexto

Anónimo disse...

Ora aqui tenho o meu Turgueniev. E cá está: o tradutor a que me referia é realmente Daniel Augusto Gonçalves, e verte assim, sem haver mister de «desesmas» nem outros exotismos: «Acreditava realmente nesta causa? Acreditava no seu amor? «Oh, maldito esteta! Céptico!», murmuraram os seus lábios inaudivelmente. De onde provinha esse desinteresse, essa aversão a falar, a não ser que fosse aos gritos ou furiosamente?» (Terra Virgem, Livraria Civilização Editora, Os Clássicos Russos, 1975, cap. XVIII, p. 103).
— Montexto