14.1.11

Sobre «carácter»

Pelo menos isso


      «A mais antiga escola de ceramistas assinava as suas peças com o carácter raku» (Crimes, Ferdinand von Schirach. Tradução de João Bouza da Costa e revisão de Clara Boléo. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2010, p. 38).
      Entre muitos erros, alguns acertos, naturalmente. Apesar de alguns pretenderem o contrário, a verdade é que quase todos os dicionários registam entre as acepções de carácter a de tipo de imprensa. Não me parece que se precise de outro vocábulo.

[Post 4323]

8 comentários:

Anónimo disse...

Tenho cá para mim que há uma fortíssima tendência a se criar o substantivo singular "caractere".

Anónimo disse...

Alguns pretenderem o contrário? Quais?
Dessa ainda não sabia eu!
Eis aí decerto, primeiro, o descuido, tornado depois hábito até se ir enraizando em convicção errónea, compartida por um número sempre crescente de falantes ditosos que disto pescam de outiva (nem muito mais se pode exigir à maioria da gente, que tem mais que fazer do que andar a espiolhar dicionários) vendendo o peixe como o compram, até que surge um homem da glote timbroso em dar mostras de desempoeirado, progressista e inventivo, tudo muito moderno e aceite de todos, mormente do Jovem, essa nova potência, e toca a dizer que sim senhor, que fulano e beltrano - que até sabem escrever, pois assinaram livros tão conspícuos que logo atraíram prémio sobre prémio - já o empregaram, não só num, mas em desvairados lugares, portanto deliberadamente, e não por inadvertência, e zás! dicionário com ele.
Não conhecem esta força tão persistente lá na sua que nunca desarma? É o velho e relho Erro, coadjuvado pela Evolução mal-entendida, tão sua colaça, sempre a lidar pelo enriquecimento da língua...
- Montexto

Paulo Araujo disse...

'Caractere' existe como termo da Informática. Toda língua evolui e os dicionários se obrigam a registrar a evolução, quando o uso a consagra. Nunca foi diferente, e cada vez é-o menos; e mais rápido se precisa atualizá-la. Ainda bem que Moraes atualizou Bluteau e deixou frutos para outros colherem e continuarem seu trabalho.

Anónimo disse...

Não concordo com o Paulo Araujo. Penso que algumas pessoas (a maioria, admito) se habituaram a dizer «caractére» e a escrever «caractere» ou «caracter» por causa de o plural ser «caracteres»; mas isso não significa que o singular deixe de ser «carácter». Em questões deste tipo não devemos ceder, mesmo que sejamos poucos.

Fernando Ferreira

Anónimo disse...

É o que eu me farto de repetir, caro Fernando Ferreira.
Mas aí está o homem da glote: nunca falha. Acaba sempre por aparecer, ultimamente mais cedo até do que dantes, porque dizem que na modernidade anda tudo mais apressado. Podeis contar sempre com ele.
Mais uma vez: RE-SIS-TIR, ainda que tudo isto não passe de «language's labour's lost», perante a imensidade da investida bárbara, assim do interior como do exterior, se bem que a primeira seja ainda mais daninha.
- Montexto

Paulo Araujo disse...

Com o perdão pela réplica, estive falando da variante brasileira da língua portuguesa, legítima e natural, como as demais, sejam nacionais, sejam regionais; há registro no Houaiss, para mim o necessário para aceitar a grafia marcada. Tenho admiração pela língua, e muita até pelo português medieval, mas não posso deixar de acompanhar a evolução do léxico. Quanto a «language's labour's lost», prefiro viver sem fraseologia alienígena.

Bic Laranja disse...

Estranho orgulho no idioma pátrio que quer e em simultâneo rejeita barbarismos. Será doença bipolar?
Cumpts.

Anónimo disse...

Portanto, ficamos a saber que basta a coisa ter acolhida no «Dicionário Houaiss» para o caro Paulo Araújo «aceitar a grafia marcada». É um critério. Confesso porém que o julgava mais exigente (ainda tenho destas ingenuidades).
Mas já agora, para confortar e confirmar ainda mais os que assim pensam, e lhes dar mais razões para «aceitar a grafia marcada», permita-se-me trasladar para aqui o consignado por D'Silvas Filho, no seu «Prontuário», Texto Editora, 3.ª ed., 2005, p. 31: «Incorrecto: caractere /tér/ tipográfico; correcto: carácter tipográfico. Grafia em que estão também de acordo RG [Rebelo Gonçalves], SLP [Sociedade da Língua Portuguesa], etc. Mas alguns profissionais das gráficas usam, para tipo de imprensa, a pronúncia /karatére/, no singular de caracteres. AF grafa caráter para tipo de imprensa, mas regista "caractere" também».
Ora AF é nada mais, nada menos que o meu bom Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, que eu nem tinha em má conta, nem vou passar a ter só por isto. É que cada um tem direito a certo número de calinadas, ainda não concreta nem pacificamente determinado.
Em suma: já não é só um , mas pelo menos dois, e não dos menores, os dicionários a fazer boa cara à novel forma, que decerto não deixará de singrar, ou não estivesse ela errada.
Mas repito mais uma vez: vá-se cada um servindo daquilo de que gosta, enquanto os benditos governos que tanto e tão bem zelam pelo nosso bem-estar e contas públicas não se lembrarem de criar uma espécie de ASAE para estas coisas... Uma coisa é certa: com as receitas que daí se arrecadariam não seria preciso recorrer a empréstimo estrangeiro...
- Mont.