29.4.11

Ainda sobre «botar»

Botar discurso

      A propósito da obra de Antenor Nascentes Tesouro da Fraseologia Brasileira, já aqui referida, escreveu Vasco Botelho de Amaral: «Devo confessar que não gosto de tal chamadoiro. Tratando-se de frases e expressões da língua portuguesa, embora registadas algumas peculiares ao Brasil, o título exacto seria Tesouro da Fraseologia Luso-brasileira. A maior parte das dições desta fraseologia partiram um dia nas caravelas portuguesas para Vera Cruz» (Glossário Crítico de Dificuldades do Idioma Português, Vasco Botelho de Amaral. Porto: Editorial Domingos Barreira, 1947, pp. 212-13). Embora afirme que é obra meritória, também adverte que «elogios incondicionais não serei eu quem lhos dê». E escreve mais à frente: «No artigo de alma, ensina que — Botar a alma no inferno é “praticar pecado mortal”. Ora, há uma acepção muito importante que se devia mencionar, e de certo ocorre no Brasil.
      Qualquer pessoa arreliada com outra diz que essa outra lhe põe a alma no inferno, se ela a exaspera muito, fazendo-a irar-se a pontos de se perder, indo parar ao inferno» (idem, ibidem, p. 214). Sempre ouvi minha mãe usar a expressão «meter a alma no inferno». Pôr, meter... Botelho de Amaral prossegue: «Ainda outro dia, certa mãe, atarantada e zangada com o barulho dos filhos, lhes gritou que estivessem quietos, que lhe “metiam a alma no inferno”. O sentido não é o vago significado de “praticar pecado mortal”.» Aqui, Antenor não dormitou, asneou.

[Post 4733]



3 comentários:

Anónimo disse...

Não me parece nem que dormitasse nem que asneasse.
Ainda que o verbo «botar» não seja um arcaísmo nem um regionalismo (apesar de o mirífico Dic. da Acad. das Ciênc. de Lx, 2001, o taxar de regionalismo brasileiro (note-se: não desta ou daquela região do Brasil, mas simplesmente brasileiro, e em todas as acepções - assim, com toda a tranquilidade, como diz o outro; mas há-de ser preciso tornar ao assunto), parece certo que acabou por ter mais extracção no Brasil do que em Portugal, e estendeu-se a casos em que por cá continuam a usar-se mais frequentemente os verbos «meter», «pôr» ou «colocar»; e Antenor, ao dar conta do uso dessa expressão no Brasil com «botar», e não com «meter», está só a espelhar essa tendência da variante brasileira.
- Montexto

Venâncio disse...

«Botar discurso», sim. E «botar prosa», e «botar faladura». Esta última soa-me um nadinha rasca. Mas, eis, o Google encontra-a em 10.400 páginas.

Anónimo disse...

Botar discurso, sim, e botar prosa e botar faladura. E - botar quantidades grossas, e - botar-se a perder, e - botar lenha no forno, e - botar mais vinho naquele copo, e - botar a fugir, e - botar ferro, e - botar-se a alguém: não?
- Montexto