Vejamos
Recentemente, Ricardo Nobre, no Livro de Estilo, abordava o equívoco à volta do vocábulo «carácter». E escrevia: «A acentuação deve-se à passagem do grego χαρακτήρ, ‘sinal, marca; traço característico, carácter; sinal’ para o latim charācter, onde a palavra ganha o acento que toma em português: no caso, grave por a penúltima sílaba ser longa.» Também o Prof. Vasco Botelho de Amaral escreveu acerca desta questão: «Carácter tinha em latim (e já o tinha no grego) o e longo (charactēr, charactērem, charactēres). Pelo acusativo singular latino, o português antigo era character*, com acento tónico no e. Mas o povo português passou a proferir carácter, mudando o acento, como mudou em muitos outros casos. Oceano era océano, ídolo era idolo, amor era ámor, se ainda falássemos à latina» (Vasco Botelho de Amaral, Glossário Crítico de Dificuldades do Idioma Português, Editorial Domingos Barreira, Porto, 1947, p. 83).
«Caracter», como ouço paginadores e gráficos dizerem, e o Livro de Estilo do Público regista, está incorrecto? O Dicionário Houaiss também regista as formas caracter e caractere, não indo mais longe do que isto: «forma menos correcta». D’ Silvas Filho, que numa resposta a uma consulta em 2000 rejeitava liminarmente a forma «caracter» (ou «caractere», como prefere), noutra resposta, em 2005, já afirmava: «Neste caso concreto, penso que não posso condenar o hábito que tem havido de distinguir cará(c)ter e cara(c)tere, pois, para mim, não traz mal à língua. Pelo contrário: foi uma forma que o falante teve de construir novo significante especificamente para um dos conceitos particulares do termo cará(c)ter, reduzindo a sua relativa polissemia, que já vem do grego. Aceitemos que nos nossos dias cará(c)ter está sobretudo ligado ao sentido de conjunto de traços cara(c)terísticos.» Em francês, curiosamente, foi sob a forma karactere que o vocábulo surgiu em 1274. Jorge Wemans, que foi provedor do leitor do Público entre Fevereiro de 1997 e Março de 1998, escreveu, em resposta à crítica de um leitor: «Em síntese, simplificando e sem fundamentar excessivamente a nossa opção, o PÚBLICO aceita que: 1. “caracter” não existe; 2. “caractere” é uma forma correcta de grafar o substantivo que designa “qualquer dígito numérico, letra do alfabeto ou um símbolo especial”; 3. “carácter” é uma forma correcta de grafar o substantivo que designa o anterior ou a índole das pessoas; 4. Os dois substantivos referidos em 2. e 3. grafam-se no plural do mesmo modo: “caracteres”» («Erros, siglas e carácter», Jorge Wemans. Ver aqui).
Sou de opinião que só deve haver uma forma: carácter (com o plural em caracteres). Afinal, já em grego o vocábulo era polissémico. Mas tenho muito tempo e estudo pela frente para mudar de opinião.
* Acrescento meu: Só com a reforma ortográfica de Gonçalves Viana, em 1911, se procedeu à «proscrição absoluta e incondicional de todos os símbolos da etimologia grega: th, ph, ch (= k), rh e y».
Recentemente, Ricardo Nobre, no Livro de Estilo, abordava o equívoco à volta do vocábulo «carácter». E escrevia: «A acentuação deve-se à passagem do grego χαρακτήρ, ‘sinal, marca; traço característico, carácter; sinal’ para o latim charācter, onde a palavra ganha o acento que toma em português: no caso, grave por a penúltima sílaba ser longa.» Também o Prof. Vasco Botelho de Amaral escreveu acerca desta questão: «Carácter tinha em latim (e já o tinha no grego) o e longo (charactēr, charactērem, charactēres). Pelo acusativo singular latino, o português antigo era character*, com acento tónico no e. Mas o povo português passou a proferir carácter, mudando o acento, como mudou em muitos outros casos. Oceano era océano, ídolo era idolo, amor era ámor, se ainda falássemos à latina» (Vasco Botelho de Amaral, Glossário Crítico de Dificuldades do Idioma Português, Editorial Domingos Barreira, Porto, 1947, p. 83).
«Caracter», como ouço paginadores e gráficos dizerem, e o Livro de Estilo do Público regista, está incorrecto? O Dicionário Houaiss também regista as formas caracter e caractere, não indo mais longe do que isto: «forma menos correcta». D’ Silvas Filho, que numa resposta a uma consulta em 2000 rejeitava liminarmente a forma «caracter» (ou «caractere», como prefere), noutra resposta, em 2005, já afirmava: «Neste caso concreto, penso que não posso condenar o hábito que tem havido de distinguir cará(c)ter e cara(c)tere, pois, para mim, não traz mal à língua. Pelo contrário: foi uma forma que o falante teve de construir novo significante especificamente para um dos conceitos particulares do termo cará(c)ter, reduzindo a sua relativa polissemia, que já vem do grego. Aceitemos que nos nossos dias cará(c)ter está sobretudo ligado ao sentido de conjunto de traços cara(c)terísticos.» Em francês, curiosamente, foi sob a forma karactere que o vocábulo surgiu em 1274. Jorge Wemans, que foi provedor do leitor do Público entre Fevereiro de 1997 e Março de 1998, escreveu, em resposta à crítica de um leitor: «Em síntese, simplificando e sem fundamentar excessivamente a nossa opção, o PÚBLICO aceita que: 1. “caracter” não existe; 2. “caractere” é uma forma correcta de grafar o substantivo que designa “qualquer dígito numérico, letra do alfabeto ou um símbolo especial”; 3. “carácter” é uma forma correcta de grafar o substantivo que designa o anterior ou a índole das pessoas; 4. Os dois substantivos referidos em 2. e 3. grafam-se no plural do mesmo modo: “caracteres”» («Erros, siglas e carácter», Jorge Wemans. Ver aqui).
Sou de opinião que só deve haver uma forma: carácter (com o plural em caracteres). Afinal, já em grego o vocábulo era polissémico. Mas tenho muito tempo e estudo pela frente para mudar de opinião.
* Acrescento meu: Só com a reforma ortográfica de Gonçalves Viana, em 1911, se procedeu à «proscrição absoluta e incondicional de todos os símbolos da etimologia grega: th, ph, ch (= k), rh e y».
1 comentário:
Resta ainda lembrar que o Vocabulário da Língua Portuguesa de Rebelo Gonçalves não regista "caracter".
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