9.6.09

«Maus-tratos» ou «maus tratos»?

Maltreito?




      «Agora, o Ministério Público de Oeiras, no despacho de acusação, decidiu que Mónica, 26 anos, será julgada pelo crime de maus-tratos por omissão agravada» («Mãe de Daniel no banco dos réus», T. F., Visão, n.º 690, 25 a 31 de Maio de 2006, p. 28). «A suspeita de maus tratos, levantadas por familiares e vizinhos, ou alegada negligência médica da Unidade Local de Saúde (ULS) do Alto Minho estão agora a ser investigadas» («Falta de comunicação ao MP na origem de insólito em Viana», Andrea Cruz, Público, 18.04.2009, p. 18).
      Afinal como se escreve? Rui Gouveia, do Ciberdúvidas, não tem dúvidas: «Maus tratos, sem hífen. Por analogia com mau tratamento.» No mesmíssimo Ciberdúvidas, o consultor F. V. Peixoto da Fonseca acha que é indiferente: «Existe maltreito e maus-tratos (no plural), o primeiro registado por Rebelo Gonçalves e o segundo pelo dicionário Aurélio. É claro que se pode escrever mau trato ou mau tratamento (ambos sem hífen).»
      Num estudo sobre o projecto Disque-Gramática, do Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas da Universidade Estadual de Londrina, lê-se: «Aqui também um dicionário bastaria para sanar as dúvidas. No entanto, não raro acontece de haver divergências entre autores. É o caso, por exemplo, de mau-trato (ou mau trato). Enquanto Houaiss (2001) e Ferreira [Aurélio Buarque de Holanda. Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira] (1999) apresentam a forma com hífen, Michaelis (1998) não trata essa construção como um vocábulo, pois não a apresente. E Almeida [Napoleão M. Dicionário de Questões vernáculas. 3.ª ed., São Paulo: Ática] (1996) assim assevera: “Não existe um composto, uma só palavra; escreve-se analiticamente, o plural é maus tratos, sem hífen” (p. 335)» («Entre a norma e o uso: as dúvidas mais freqüentes de 2007», Fernanda Menezes de Carvalho et al., aqui).
      Luiz Antonio Sacconi, professor de Língua Portuguesa na Universidade de São Paulo e autor de várias obras de divulgação sobre a língua portuguesa, também se debruçou sobre a questão, afirmando que «maus-tratos (com hífen) é termo eminentemente jurídico e significa crime cometido por aquele que põe em risco a vida ou a saúde de pessoa que está sob sua autoridade, guarda ou vigilância», ao passo que «maus tratos (sem hífen) é uma expressão equivalente de sevícias, tormento, flagelo, tortura, mau tratamento», distinção que me parece inteiramente da lavra do autor. Não há dúvida de que o vocábulo provém da área jurídica, e os vulgares dicionários, como o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, registam: «maus-tratos. Direito delito praticado por quem põe em risco a vida ou a saúde de uma pessoa que está sob a sua dependência ou guarda, privando-a de alimentos e cuidados indispensáveis, ou exercendo sobre ela qualquer forma de violência (física ou psicológica).» Nas traduções, vêem-se ambas as grafias, mas talvez prepondere, tal como na imprensa, a forma com hífen: «Para muitos dos povos minoritários que se encontravam sob domínio chinês, levou séculos de maus-tratos e opressão» (História da China, Stephen G. Haw. Tradução de Joana Estorninho de Almeida e Rita Graña e revisão de Raquel Mouta. Lisboa: Edições Tinta-da-China, 2008, p. 274). «Depois, ele e a Avó queixaram-se dos jovens malfeitores que andavam a aterrorizar o bairro e a infligir maus tratos e abusos às crianças mais novas» (Filho de Ninguém, Michael Seed. Tradução de Mário Matos e revisão de Luís Milheiro. 3.ª ed. Lisboa: QuidNovi, 2008, p. 112). Eu prefiro, se isso interessa, grafar sempre sem hífen, «maus tratos».

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