4.4.06

Leituras


A escrita de Saramago

Num excelente artigo sobre a escrita de José Saramago, Fernando Venâncio (Actual, n.º 1744, 1.4.2006, pp. 16-17) aponta alguns das centenas de espanholismos usados pelo autor de As Intermitências da Morte. A determinada altura, afirma: «Há circunstâncias biográficas a explicarem isto e mais? Decerto. José Saramago escreve, como sempre escreveu, um português portentoso, mas deixou de distinguir os dois idiomas. O que espanta não é isso, é outra coisa. Ou duas. Primeiro, que nenhum revisor lhe faça reparo. E, se faz, imagine-se o manuscrito. Segundo, que nada disto pareça preocupante a ninguém ou sequer assinalável.» Como argumento, é algo canhestro. Vejamos: como sabe Fernando Venâncio que nenhum revisor lhe faz reparo? Claro, o crítico previu esta objecção e acrescentou «e, se faz, imagine-se o manuscrito». Aqui, esperávamos ver: «E, se faz, imagine-se quão mal preparado ele está.» Ou: «E, se faz, decerto que o autor (ou o editor) lhe passa por cima.» Quem acha Fernando Venâncio que venceria o diferendo: o revisor ou o autor? Se nem alguns tradutores ineptos aceitam muitas vezes serem corrigidos, imagine-se um autor nobelizado! E, por outro lado, até que ponto um revisor pode alterar um estilo, uma particular maneira de um autor se exprimir?

2 comentários:

zoto disse...

E já agora, um autor que começou por ser revisor/editor/tradutor/...

Anónimo disse...

Você tem razão. O meu «e se faz» só tem sentido se lido como: «e se faz [reparo], e consegue alguma coisa, ...».

Amalgamei a lógica, foi o que foi. Mas confiei em que o leitor depreenderia isso.

Não contei com um leitor tão exigente como você.

De resto, os meus parabéns pelo seu blogue, que descobri hoje.

Fernando Venâncio

[aspirinab.weblog.com.pt]