19.6.06

Estrangeirismo: «faisandée»

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As palavras dos outros




      Temos a família completa: o faisão, a faisoa (ou faisã) e o pequeno faisanoto (1). Uma família feliz, dir-se-ia, não fosse os Franceses terem inventado, para gáudio papilar de alguns, o faisandée — que é isto tudo mas morto e quase podre. E é esta palavra, faisandée, que nos (faz) falta. Uma peça de caça faisandée — oxidada ao ar livre, quase pútrida — era, antigamente, iguaria apenas apreciada na mesa opípara dos reis.
      E a palavra é muito usada em Portugal? Talvez não entre os frequentadores do McDonald’s, suponho, mas em certos restaurantes, sim. E na imprensa? Ainda na edição do dia 13 do corrente do Diário do Sul (também leio o Saigon News) li num texto da autoria do escanção João Marques o verbo correspondente: faisander. Na literatura? Sim, n’Os Maias, mas não referido a caça… «Entre os Amigos, no Ramalhete, sobretudo na frisa, discutia-se às vezes Raquel, e as opiniões discordavam. Taveira achava-a “deliciosa!” — e dizia-o rilhando o dente: ao marquês não deixava de parecer apetitosa, para uma vez, aquela carnezinha faisandée de mulher de trinta anos: Cruges chamava-lhe uma “lambisgóia relambória”.»


      (1) Também os Franceses têm as correspondentes palavras: faisan, faisanne (ou faisande) e faisandeau. Os Espanhóis não se podem gabar do mesmo, pois só têm faisán e faisana. O étimo é grego, embora nos tenha chegado através do latino phasianu-, provavelmente intermediado pelo provençal. Conta-se que esta ave existia somente na Cólquida, junto ao rio Fásis, donde tomou o nome. (Sim, Camões refere n’Os Lusíadas este rio: «Ó famoso Pompeio, não te pene/De teus feitos ilustres a ruína,/ Nem ver que a justa Némesis ordene/Ter teu sogro de ti vitória Dina,/Posto que o frio Fásis, ou Siene,/ Que para nenhum cabo a sombra inclina,/O Bootes gelado e a linha ardente,/Temessem o teu nome geralmente.») Ao menos o faisão, seja qual for a sua origem, pode ver-se e, o que é melhor, comer-se, o mesmo não se podendo afirmar do fabuloso τραγέλαφος, como é referido por Aristóteles, e entre os autores latinos hircocervus, ou tragélafo (como se lê na História Natural de Plínio), que é a mera transcrição do grego, que teria existido também junto do mesmo rio, actualmente com o nome de Rion, no Cáucaso, perto do desfiladeiro de Mamisson.

1 comentário:

Anónimo disse...

já comi uma vez uma perdiz faisandée ( já aprendi :)) e não achei nada de especial. cheirava mal como tudo