Contas mal feitas
Apesar de o Dicionário da Academia, entre outros, registar o vocábulo «adição» no sentido de dependência («Adição. Psiq. Compulsão apresentada por determinados indivíduos para repetir os mesmos comportamentos gratificantes, consumindo quantidades crescentes de drogas como tabaco, álcool, cocaína...»), não me parece a forma mais acertada de traduzir o vocábulo espanhol «adicción», em especial se não estivermos perante uma obra técnica. A citação que se segue, da recensão crítica de Paulo Nogueira ao livro Autobiografia de Marilyn Monroe, de Rafael Reig (Bico de Pena, 2006, trad. Afonso Leonardo), dá conta dessa estranheza:
«Oxalá a Bico de Pena edite outro livro dele, Sangre a Borbotones — mas com mais cuidado na tradução. “O casamento causa adição”, como vem na página 29, é um disparate. O correcto será “o casamento vicia” (a não ser que a “adição” fosse a de um pimpolho, o que não é o caso)» (Expresso/Actual, 17.06.2006, p. 67).
Apesar de o Dicionário da Academia, entre outros, registar o vocábulo «adição» no sentido de dependência («Adição. Psiq. Compulsão apresentada por determinados indivíduos para repetir os mesmos comportamentos gratificantes, consumindo quantidades crescentes de drogas como tabaco, álcool, cocaína...»), não me parece a forma mais acertada de traduzir o vocábulo espanhol «adicción», em especial se não estivermos perante uma obra técnica. A citação que se segue, da recensão crítica de Paulo Nogueira ao livro Autobiografia de Marilyn Monroe, de Rafael Reig (Bico de Pena, 2006, trad. Afonso Leonardo), dá conta dessa estranheza:
«Oxalá a Bico de Pena edite outro livro dele, Sangre a Borbotones — mas com mais cuidado na tradução. “O casamento causa adição”, como vem na página 29, é um disparate. O correcto será “o casamento vicia” (a não ser que a “adição” fosse a de um pimpolho, o que não é o caso)» (Expresso/Actual, 17.06.2006, p. 67).
2 comentários:
A propósito da sua crítica à minha tradução da palavra "adicción", gostaria de dizer o seguinte:
1º. o autor, presumo que conscientemente, decidiu usar o termo "adicción" em detrimento de, por exemplo, "vicio".
2º. tal escolha, na interpretação que faço do texto, decorre do próprio ambiente da narrativa e da construção da personagem principal: a acção decorre no consultório de um psicólogo/psiquiatra (num contexto clínico, portanto) e Marilyn é-nos descrita, de forma mais ou menos implícita, como uma mulher que padece de uma grande fragilidade e dependência emocional/afectiva, quase no âmbito da patologia; além disso, ao longo da estória ela brinca com os termos e os chavões da psicologia e deste modo faz sentido que use um termo mais técnico no discurso coloquial - tal funciona como mais uma provocação ao seu interlocutor/ouvinte (o médico).
3º. o vocábulo tem correspondência directa em língua portuguesa - "adição" - possuindo o sentido de dependência patológica pretendido pelo autor. Para além da definição que transcreveu, acrescento aquela que vem no Dic. Houaiss (Temas e Debates, 2003): "Adição. (psic.) (...) dependência; (...) propensão a ter hábitos compulsivos, a se comportar de maneira singular e invariável qualquer que seja a situação(...)".
4º concordo que a tradução sugerida por Paulo Nogueira seria mais fácil e imediata para o leitor (evitando a eventual necessidade de recorrer ao dicionário), mas julgo que um tradutor não tem obrigação de facilitar a vida ao leitor, muito menos se tal implicar, como seria o caso, desvirtuar uma opção livre e legítima do autor - opção que este fez tanto num nível objectivo (a escolha daquele vocábulo concreto) como subjectivo (os efeitos dessa escolha para a definição da personagem).
Com os melhores cumprimentos,
Afonso Leonardo
(aleonardus@yahoo.com)
Embora, como já tive oportunidade de lhe escrever, não concorde com a sua argumentação, que respeito, naturalmente, devo dizer-lhe que, em rigor, não critiquei a sua tradução da palavra «adicción», pela simples razão de que não li a obra em causa. Critiquei, sim, e mantenho, o uso do vocábulo «adição» como correspondente ao espanhol «adicción» — o que não é o mesmo.
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