30.7.06

Infinitivo pessoal: mitos e regras

Intuição, sim, mas com estudo

Há entre nós a ideia, que alguns erigem em dogma, de que o infinitivo impessoal ou não flexionado apenas se usa quando a frase apresentar um só sujeito e, a contrario, o infinitivo pessoal se usa nas frases com dois sujeitos. É a chamada doutrina Soares Barbosa, que por influxo directo veio da Gramática Filosófica* alojar-se nos nossos cérebros. Jerónimo Soares Barbosa (1737-1816), um gramático racionalista, inventou, baseado em escassos exemplos, essa regra prática. Vejamos, contudo, o que diz o filólogo M. Said Ali na obra Dificuldades da Língua Portuguesa: «Quando Soares Barbosa estatui que, para se usar o infinitivo impessoal, é preciso ter ele o mesmo sujeito que o verbo da oração regente, e exemplifica com eu quero fazer, tu quiseste fazer, nós queremos fazer, há realmente uma cousa que deve assombrar ao filósofo moderno. Desde quando a frase eu quero fazer comporta dois sujeitos, um para cada verbo? Desde quando há aí duas orações, uma regente, outra regida?» Depois de aduzir dezenas de exemplos facilmente comprováveis, que um dia aqui darei, Said Ali resume a sua análise nas seguintes regras:
«Infinitivo SEM FLEXÃO:
1.º sempre que o verbo indicar a acção em geral, como se fora um nome abstracto, ou quando não se cogita da pessoa, ex.: estudar (= o estudo) aproveita. É o caso mais comum.
2.º nas linguagens compostas e perifrásticas, sendo apenas lícita a flexão no caso de vir o infinitivo afastado de seu auxiliar a ponto de tornar-se obscuro o sentido se esse auxiliar não for lembrado novamente pela flexão.
Infinitivo FLEXIONADO:
1.º sempre que o infinitivo estiver acompanhado de um nominativo sujeito, nome ou pronome (quer igual ao de outro verbo, quer diferente).
2.º sempre que se tornar necessário destacar o agente, e referir a acção especialmente a um sujeito, seja para evitar confusão, seja para tornar mais claro o pensamento. O infinitivo concordará com o sujeito que temos em mente.
3.º quando o autor intencionalmente põe em relevo a pessoa a que o verbo se refere.
Por outros termos: determinam o uso do infinitivo flexionado: a presença do nominativo sujeito, e, portanto, a simples concordância obrigatória; o realce necessário do sujeito para facilitar a compreensão (infinitivo de clareza) e, finalmente, o realce intencional para pôr em relevo a pessoa de quem se trata (infinitivo enfático).»

* Pode descarregar aqui a edição original da Gramática Filosófica. A análise do infinitivo pessoal encontra-se nas páginas 208 e ss. De qualquer modo, transcrevo, actualizando a ortografia, como fiz com a citação da obra, a 6.ª edição, de Said Ali (uma oferta do leitor JRC, a quem renovo o meu agradecimento), o passo que mais interessa: «Este infinitivo pessoal é outro substantivo apelativo verbal com as mesmas propriedades que o impessoal; e o que tem de particular é o enunciar a coexistência de um atributo em um sujeito diferente do da oração antecedente (p. 208).»

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