Com deleite
Estávamos, imaginemos, na tal ilha deserta dos questionários de Verão. As vicissitudes tinham-nos levado até ali apenas com dois livros: o Dicionário da Academia e um exemplar, achado na rua, de A Praia, de Cesare Pavese, com tradução de Alfredo Margarido, editado pela Portugália Editora, nos finais dos anos 60. No decorrer da leitura, deparar-nos-íamos inevitavelmente com alguma palavra menos comum, como, por exemplo, lacticinoso. «Clélia dissera-me que todas as manhãs Doro se escapava e ia nadar no mar lacticinoso da madrugada.» Consultando o dicionário, ficaríamos encalhados — varados, é caso para dizer — no vazio entre «lacticínio» e «láctico». Se não fôssemos minimamente inteligentes mas tivéssemos memória, talvez nos recordássemos de ter lido no Dicionário Houaiss:
lacticinoso adj. O m. q. lactescente.
lactescente adj. Que tem a cor e o aspecto do leite; leitoso.
De qualquer modo, não seria menos provável que lembrá-lo dito pelo poeta palavroso Carlos Argentino Daneri, de O Aleph, de Jorge Luis Borges, que, tal como Mattia Pascal, exercia «não sei que cargo subalterno numa biblioteca sem leitores dos arrabaldes do Sul».
Estávamos, imaginemos, na tal ilha deserta dos questionários de Verão. As vicissitudes tinham-nos levado até ali apenas com dois livros: o Dicionário da Academia e um exemplar, achado na rua, de A Praia, de Cesare Pavese, com tradução de Alfredo Margarido, editado pela Portugália Editora, nos finais dos anos 60. No decorrer da leitura, deparar-nos-íamos inevitavelmente com alguma palavra menos comum, como, por exemplo, lacticinoso. «Clélia dissera-me que todas as manhãs Doro se escapava e ia nadar no mar lacticinoso da madrugada.» Consultando o dicionário, ficaríamos encalhados — varados, é caso para dizer — no vazio entre «lacticínio» e «láctico». Se não fôssemos minimamente inteligentes mas tivéssemos memória, talvez nos recordássemos de ter lido no Dicionário Houaiss:
lacticinoso adj. O m. q. lactescente.
lactescente adj. Que tem a cor e o aspecto do leite; leitoso.
De qualquer modo, não seria menos provável que lembrá-lo dito pelo poeta palavroso Carlos Argentino Daneri, de O Aleph, de Jorge Luis Borges, que, tal como Mattia Pascal, exercia «não sei que cargo subalterno numa biblioteca sem leitores dos arrabaldes do Sul».
4 comentários:
Desde Belo Horizonte, Minas Gerais, deleito-me com este passeio pela língua portuguesa.
Sendo certo que o verbo "deparar" admite conjugação reflexa, pergunto se, no post que comento, não foi feita impropriamente.
Melhores cumprimentos.
O verbo deparar admite três construções, e uma delas é a que eu usei e já usada por gente menos anónima (isto é mais consigo do que comigo…), como Almeida Garrett nas «Viagens»: «Abri os “Lusíadas” à ventura, deparei com o canto IV e pus-me a ler.» Mas também Camilo a usou.
O correcto é: «sair a terreiro» ou «sair a campo». É expressão guerreira, e por isso o «terreiro», como nas justas e torneios.
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