Janelas cegas
Os meus leitores já perceberam há muito a minha predilecção pelo Grande Dicionário da Língua Portuguesa, coordenado por José Pedro Machado. Desde o início dos anos 80 a usá-lo, conheço-o relativamente bem. Considero-o muito bom, mas, como é inerente a tudo o que é criado pelo homem, com falhas. Uma delas constitui mesmo, devo dizê-lo, um dos mais graves erros em lexicografia: algumas entradas, sem a respectiva definição, remetem para entradas inexistentes. É o que acontece, por exemplo, com o vocábulo «xátria», cujo verbete remete para «chátria», considerado mais correcto, mas que não se encontra no dicionário. De qualquer modo, convenho que seria muito mais grave que um dicionário actual o fizesse, quando se dispõe agora de meios tecnológicos avançadíssimos.
E a propósito de xátria, devo referir um texto («Conversões em massa entre os ‘intocáveis’», p. 37), publicado na edição de 21 de Outubro do Expresso, da autoria de Constantino Xavier, correspondente em Deli, em que se utiliza o vocábulo. Refiro-o, contudo, pelo aportuguesamento bem conseguido de outros vocábulos. O lead: «Os dálitas, ou ‘intocáveis’, a mais baixa das castas indianas, estão a abandonar o hinduísmo para se converterem ao cristianismo e ao budismo.» Mais à frente: «Especialmente no mundo rural, são frequentes os casos em que os dálitas (como preferem ser chamados) são impedidos de aceder a poços de água comuns, proibidos de entrar em espaços públicos e assassinados por casarem com parceiros de castas superiores.» E todas as castas lhes são superiores, isto porque «segundo a tradição hindu, as castas evoluíram a partir do corpo divino — os sacerdotes brâmanes da cabeça, os guerreiros xátrias dos braços, os comerciantes vaixás das coxas e, finalmente, os trabalhadores sudras dos pés. Só os ‘intocáveis’ ficaram de fora, impedidos de aspirar à reincarnação».
Claro que preferem ser chamados dálitas (dalit), porque é muito mais sugestivo da condição social em que estão recluídos, pois «dálita» significa «oprimido». Anteriormente, eram chamados achuta. Gandhi, por sua vez, deu-lhes o nome harijan (filhos de Deus).
Finalmente, leio neste texto outro aportuguesamento, este de um topónimo: «Nos estados onde o partido nacionalista do Bharatiya Janata Party forma governo (Rajastão, Guzerate e Madia Pradexe), já foram adoptadas leis que proíbem ou limitam as conversões, impondo, por exemplo, autorização policial prévia.» Refiro-me, neste caso, a «Madia Pradexe». De facto, esta é uma forma de representarmos o som final [sh], à semelhança, por exemplo, do inicial, como em Xangai.
Os meus leitores já perceberam há muito a minha predilecção pelo Grande Dicionário da Língua Portuguesa, coordenado por José Pedro Machado. Desde o início dos anos 80 a usá-lo, conheço-o relativamente bem. Considero-o muito bom, mas, como é inerente a tudo o que é criado pelo homem, com falhas. Uma delas constitui mesmo, devo dizê-lo, um dos mais graves erros em lexicografia: algumas entradas, sem a respectiva definição, remetem para entradas inexistentes. É o que acontece, por exemplo, com o vocábulo «xátria», cujo verbete remete para «chátria», considerado mais correcto, mas que não se encontra no dicionário. De qualquer modo, convenho que seria muito mais grave que um dicionário actual o fizesse, quando se dispõe agora de meios tecnológicos avançadíssimos.
E a propósito de xátria, devo referir um texto («Conversões em massa entre os ‘intocáveis’», p. 37), publicado na edição de 21 de Outubro do Expresso, da autoria de Constantino Xavier, correspondente em Deli, em que se utiliza o vocábulo. Refiro-o, contudo, pelo aportuguesamento bem conseguido de outros vocábulos. O lead: «Os dálitas, ou ‘intocáveis’, a mais baixa das castas indianas, estão a abandonar o hinduísmo para se converterem ao cristianismo e ao budismo.» Mais à frente: «Especialmente no mundo rural, são frequentes os casos em que os dálitas (como preferem ser chamados) são impedidos de aceder a poços de água comuns, proibidos de entrar em espaços públicos e assassinados por casarem com parceiros de castas superiores.» E todas as castas lhes são superiores, isto porque «segundo a tradição hindu, as castas evoluíram a partir do corpo divino — os sacerdotes brâmanes da cabeça, os guerreiros xátrias dos braços, os comerciantes vaixás das coxas e, finalmente, os trabalhadores sudras dos pés. Só os ‘intocáveis’ ficaram de fora, impedidos de aspirar à reincarnação».
Claro que preferem ser chamados dálitas (dalit), porque é muito mais sugestivo da condição social em que estão recluídos, pois «dálita» significa «oprimido». Anteriormente, eram chamados achuta. Gandhi, por sua vez, deu-lhes o nome harijan (filhos de Deus).
Finalmente, leio neste texto outro aportuguesamento, este de um topónimo: «Nos estados onde o partido nacionalista do Bharatiya Janata Party forma governo (Rajastão, Guzerate e Madia Pradexe), já foram adoptadas leis que proíbem ou limitam as conversões, impondo, por exemplo, autorização policial prévia.» Refiro-me, neste caso, a «Madia Pradexe». De facto, esta é uma forma de representarmos o som final [sh], à semelhança, por exemplo, do inicial, como em Xangai.
2 comentários:
Caro Hélder,
ainda bem que pelo menos alguém, em Portugal, repara nos meus dilemas como correspondente em Deli. E ainda bem que concorda com os meus "aportuguesamentos". Procuro debater estas questões no meu blog http://avidaemdeli.blogspot.com na série "Redescobrindo" e espero futuramente ter os seus comentários e correcções.
Constantino
De facto, parecem-me muito criteriosos e necessários, e, nesse aspecto, o seu trabalho é altamente meritório. Não deixarei de visitar o seu blogue.
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