A pergunta
O pinyin, cuja tradução (à letra) para Português é «soletração de sons», é o método usado oficialmente na República Popular da China para a transcrição do idioma Chinês (Mandarim, ou falar de Pequim) através do alfabeto latino.
Aprovado em 1958 e adoptado em 1979, o pinyin depressa se impôs a todos os outros sistemas de transliteração, cerca de 40, deficientes e enganosos na medida em que ficam dependentes da fonética da língua do transcritor ([Alexandre] Li Ching — A Estrutura da Língua Chinesa, Lisboa, Fundação Oriente, 1994, p. 19.).
Sem se conhecer o pinyin, a procura de uma palavra no dicionário era uma tarefa demorada, exigente e nem sempre coroada de êxito: primeiro tinha de se identificar o radical do carácter (de entre um universo de 214); seguidamente, contava-se o número de traços sobrante; por fim consultava-se uma lista de todos os caracteres com aquele radical e aquele número de traços, o que nos deveria remeter para uma determinada página do dicionário. Se não estivesse lá o carácter procurado, ou o radical tinha sido mal escolhido, ou o número de traços tinha sido mal contado. Havia então de encetar nova busca. Parece que estou a ouvir o saudoso Professor Li Ching a dizer com orgulho que todos os seus alunos, no final do primeiro ano, já sabiam consultar um dicionário.
O pinyin facilitou imenso a vida daqueles que se dedicam ao estudo do Chinês sobretudo pela normalização que se faz sentir, por exemplo, na escrita em computador, tarefa anteriormente muito complicada. Agora, pelo contrário, basta escrever (num processador de texto adequado, é claro) aquilo que se pretende, em pinyin, e os caracteres chineses vão aparecendo no monitor.
O pinyin também tem os seus detractores, principalmente pela conotação que lhe é feita com a Revolução Cultural e com o regime chinês.
Antes da adopção deste método de transliteração havia palavras de origem chinesa que já pertenciam ao nosso léxico, como por exemplo Xangai, Pequim e Mao Tse Tung. As alterações, entretanto, fizeram-se sentir: Xangai passou a escrever-se Shanghai, Pequim, Beijing e Mao Tse Tung, Mao Zedong. As mudanças criam sempre resistências, mesmo inconscientes: no primeiro parágrafo deste texto, por exemplo, «fugiu-me a tecla» para Pequim e não para Beijing. Enfim, estamos a falar de modificações cujo sentido se entende e que, com maior ou menor facilidade, vão entrando nos nossos hábitos, embora desencadeiem, por vezes, episódios quase anedóticos como o daquele aluno que perguntava à professora de Chinês se as cidades de Pequim e Beijing estavam ou não muito próximas uma da outra. Segundo a sua percepção, estavam mesmo.
Neste panorama há, no entanto, uma alteração que me parece profundamente forçada: Caminho, em Chinês, diz-se tao, mas porque o som “t”, quando não é expirado, se representa por “d”, em pinyin, escreve-se dao.
Há um pensamento filosófico que surgiu no tempo do mítico imperador Amarelo e alimentado pelo Tao Te Ching (em pinyin: Dao De Jing), Livro do Caminho e da Virtude, da autoria do também mítico filósofo Lao Tsé (em pinyin: Laozi).
A esse pensamento chamou-se Taoísmo, termo perfeitamente consagrado na nossa língua. Entendendo o fenómeno, vou ter enorme dificuldade em passar a escrever Daoísmo, como já vai aparecendo abundantemente.
Devo continuar a escrever Taoísmo, ou devo adaptar-me, embora contrariado, a Daoísmo?
José Manuel Pedroso da Silva
A resposta
A propósito de Beijing e de outros topónimos, já aqui tive oportunidade de expor a minha opinião, a opinião de quem lida todos os dias com a língua e se vê confrontado com novas opções. Em particular no que diz respeito a topónimos e a antropónimos, não cedo a essas novas transliterações. Neste aspecto, o peso da tradição (por vezes não muito longa…) impõe-se e, francamente, não vejo que vantagens nos traria fazer de modo diverso. No que respeita ao vocábulo «taoísmo», tenho vindo a comprovar essa evolução de que fala e a reflectir que não há, mais uma vez, qualquer vantagem em preterirmos a forma que adoptámos há muito, opinião que me parece coincidente com a do leitor. À semelhança do miúdo da anedota, eu perguntaria se a cidade de Pequim foi arrasada ou se a China mudou de capital. Acresce que «Beijing» não é tão eufónico. Fica registado o facto, não despiciendo, de o pinyin ter vindo facilitar a escrita dos que se dedicam ao estudo do chinês.
O pinyin, cuja tradução (à letra) para Português é «soletração de sons», é o método usado oficialmente na República Popular da China para a transcrição do idioma Chinês (Mandarim, ou falar de Pequim) através do alfabeto latino.
Aprovado em 1958 e adoptado em 1979, o pinyin depressa se impôs a todos os outros sistemas de transliteração, cerca de 40, deficientes e enganosos na medida em que ficam dependentes da fonética da língua do transcritor ([Alexandre] Li Ching — A Estrutura da Língua Chinesa, Lisboa, Fundação Oriente, 1994, p. 19.).
Sem se conhecer o pinyin, a procura de uma palavra no dicionário era uma tarefa demorada, exigente e nem sempre coroada de êxito: primeiro tinha de se identificar o radical do carácter (de entre um universo de 214); seguidamente, contava-se o número de traços sobrante; por fim consultava-se uma lista de todos os caracteres com aquele radical e aquele número de traços, o que nos deveria remeter para uma determinada página do dicionário. Se não estivesse lá o carácter procurado, ou o radical tinha sido mal escolhido, ou o número de traços tinha sido mal contado. Havia então de encetar nova busca. Parece que estou a ouvir o saudoso Professor Li Ching a dizer com orgulho que todos os seus alunos, no final do primeiro ano, já sabiam consultar um dicionário.
O pinyin facilitou imenso a vida daqueles que se dedicam ao estudo do Chinês sobretudo pela normalização que se faz sentir, por exemplo, na escrita em computador, tarefa anteriormente muito complicada. Agora, pelo contrário, basta escrever (num processador de texto adequado, é claro) aquilo que se pretende, em pinyin, e os caracteres chineses vão aparecendo no monitor.
O pinyin também tem os seus detractores, principalmente pela conotação que lhe é feita com a Revolução Cultural e com o regime chinês.
Antes da adopção deste método de transliteração havia palavras de origem chinesa que já pertenciam ao nosso léxico, como por exemplo Xangai, Pequim e Mao Tse Tung. As alterações, entretanto, fizeram-se sentir: Xangai passou a escrever-se Shanghai, Pequim, Beijing e Mao Tse Tung, Mao Zedong. As mudanças criam sempre resistências, mesmo inconscientes: no primeiro parágrafo deste texto, por exemplo, «fugiu-me a tecla» para Pequim e não para Beijing. Enfim, estamos a falar de modificações cujo sentido se entende e que, com maior ou menor facilidade, vão entrando nos nossos hábitos, embora desencadeiem, por vezes, episódios quase anedóticos como o daquele aluno que perguntava à professora de Chinês se as cidades de Pequim e Beijing estavam ou não muito próximas uma da outra. Segundo a sua percepção, estavam mesmo.
Neste panorama há, no entanto, uma alteração que me parece profundamente forçada: Caminho, em Chinês, diz-se tao, mas porque o som “t”, quando não é expirado, se representa por “d”, em pinyin, escreve-se dao.
Há um pensamento filosófico que surgiu no tempo do mítico imperador Amarelo e alimentado pelo Tao Te Ching (em pinyin: Dao De Jing), Livro do Caminho e da Virtude, da autoria do também mítico filósofo Lao Tsé (em pinyin: Laozi).
A esse pensamento chamou-se Taoísmo, termo perfeitamente consagrado na nossa língua. Entendendo o fenómeno, vou ter enorme dificuldade em passar a escrever Daoísmo, como já vai aparecendo abundantemente.
Devo continuar a escrever Taoísmo, ou devo adaptar-me, embora contrariado, a Daoísmo?
José Manuel Pedroso da Silva
A resposta
A propósito de Beijing e de outros topónimos, já aqui tive oportunidade de expor a minha opinião, a opinião de quem lida todos os dias com a língua e se vê confrontado com novas opções. Em particular no que diz respeito a topónimos e a antropónimos, não cedo a essas novas transliterações. Neste aspecto, o peso da tradição (por vezes não muito longa…) impõe-se e, francamente, não vejo que vantagens nos traria fazer de modo diverso. No que respeita ao vocábulo «taoísmo», tenho vindo a comprovar essa evolução de que fala e a reflectir que não há, mais uma vez, qualquer vantagem em preterirmos a forma que adoptámos há muito, opinião que me parece coincidente com a do leitor. À semelhança do miúdo da anedota, eu perguntaria se a cidade de Pequim foi arrasada ou se a China mudou de capital. Acresce que «Beijing» não é tão eufónico. Fica registado o facto, não despiciendo, de o pinyin ter vindo facilitar a escrita dos que se dedicam ao estudo do chinês.
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