7.1.07

TLEBS, mais uma vez

Pela importância de que se reveste, entendi ser um bom contributo para a discussão da TLEBS divulgar o artigo que o Prof. Jorge Morais Barbosa publicou no Diário de Notícias no dia 23 de Dezembro, o que faço com a expressa autorização do autor.

A linguística da TLEBS

Já quase tudo se disse sobre os inconvenientes, pedagógicos, sociais e outros, da aplicação da TLEBS nos níveis de ensino para os quais foi concebida, pelo que os não repetirei. Limitar-me-ei a recordar, a respeito, que a multiplicação desde 1997 de «acções de formação» de professores indicia ou que estes são incompetentes a ponto de necessitarem delas e de livros explicativos, no que não creio, ou que a terminologia é, mesmo para eles, tão abstrusa e inconsequente que se não dispensam formação específica e cábula — e nisto já acredito. Se assim é para os professores, que dificuldades não se depararão a crianças e adolescentes? Passo a comentar opções e desacertos em que abunda a TLEBS.
Do adjectivo diz ser «palavra pertencente à categoria sintáctica dos adjectivos», que se «flexionam em número» e cujos «constituintes imediatos são o tema adjectival e o sufixo de flexão». Onde estão os sufixos de flexão, em género e número, presumo, de simples, o de género de leve e os temas de ambos? Ou deveremos conformar-nos com a aberração (penso no «sujeito nulo») da nulidade dos determinantes de areia e flores em Quero areia, Quero flores bonitas, por não estarem lá a, estas, minha ou algo assim? Do adjectivo diz-se mais pertencer «a uma classe aberta de palavras, que permite variação em género, número e grau» e ser «o núcleo do grupo adjectival». Será, provavelmente, a última característica que o distingue do «nome», na medida que este também «permite variação em género, número e, em alguns casos [quais? fica por saber], em grau», mas «é o núcleo do grupo nominal».
O nome, sim, porque a TLEBS evacuou do seu seio o termo substantivo. Ora, na tradição gramatical, substantivo e adjectivo, que começam por adjectivar nome, tornam-se eles próprios substantivos e assim aparecem, pelo menos já em 1823, no Dicionário de Moraes. Que proveito, a não ser mera concessão ao inglês noun, traz a substituição de um termo comummente acolhido no discurso metagramatical português por um que se deixou de usar e nada diferente vem designar? Tão enraizada está entre nós, aliás, a noção de «substantivo» que, apesar de erradicar o termo, a própria TLEBS fala de «frase subordinada substantiva» e dos homógrafos canto, forma verbal, e canto «substantivo» (sublinhados meus). Não será seguramente caso de dizer que no melhor pano cai a nódoa... De idênticas concessões constitui exemplo, citando apenas mais um, no lugar da proscrita oração a frase, definida como sendo «ela própria um elemento constitutivo da frase» (porque não pensaram em phrase, clause, sentence, utterance?): não ensina a lógica, a menos que necessite de revisão, que o definido não pode entrar na definição? Mas é o que sucede também com modificador, «função sintáctica desempenhada por constituintes não seleccionados pelo núcleo do grupo sintáctico que modificam»: e não seria normal explicar o sentido gramatical de modificar? Outra originalidade: a redução da classe dos determinantes a artigos, possessivos e demonstrativos, com a curiosidade de apresentar como equivalentes do português determinante o fr. déterminant, o ing. determiner e o esp. determinante, quando em nenhuma das gramáticas de referência consultadas destas línguas coincidem com o da TLEBS os valores do respectivo termo.
Seja qual for a teoria seguida, ninguém deixará de estranhar a inclusão das noções de homografia, homofonia e homonímia no domínio da semântica. Que propriedades semânticas se encontram comuns aos dois canto ou a passo/paço, sem/cem, sede «vontade de beber» e sede «local»? E se os dois canto são a um tempo homónimos e homógrafos, porque o não são igualmente os dois sede, que só se distinguem por não serem homófonos? E porque não se apresentam exemplos de sinonímia, nem «total» nem «parcial»? Porque professores e alunos já sabem, ou porque nem uns nem outros necessitam de saber o que isso é? Ainda no mesmo domínio, identifica-se «significado» com «conceito» e significante com «imagem acústica», na infeliz repetição do que primeiro aparece no Cours de linguistique générale de Saussure, que, contudo, se corrigiu ele próprio em aula semanas depois. Se o significado é conceito, será o significado de partir «sair» ou «morrer»? Como nos domínios da semântica, lexical ou frásica, os sentidos parecem não lhe interessar, nem sequer poderia a TLEBS arguir que «morrer» é partir em «sentido figurado». E quais são, fora de qualquer terminologia científica, as unidades lexicais que «possuem apenas um único significado» (note-se a redundância), conforme a TLEBS define a monossemia? Para quantos consideram polissémica qualquer unidade o significado é um e actualiza-se em sentidos variáveis com o contexto e a situação de enunciação.
Vários outros problemas, como o do «aspecto», mereceriam comentários, todavia, demasiado largos para caberem aqui. Concluo, portanto. Diz-se que a TLEBS resultou da necessidade de se rever a Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967. Não havia, contudo, vantagem em substituir o que era gramatical pelo que se pretende linguístico. Se há que actualizar a Nomenclatura, actualizemo-la, mas contemplando o que for científica e pedagogicamente ponderado e não criando sabedorias dentro do que, felizmente, nem sequer chega a constituir uma escola linguística.
Até lá, suspenda-se, pois, o disparate.

1 comentário:

Fliscorno disse...

Uma gracinha sobre o assunto:
A Experiência Pedagógica TLEBS
:-)