Equívocos cromáticos
Passava pela Estrada de Benfica, a Baixa da freguesia, quando vi um ajuntamento perto da Igreja de Nossa Senhora do Amparo. Aproximei-me, movido pela curiosidade e pelos pés, que se encaminhavam para a padaria. «Ah, foram dois africanos que…», dizia uma senhora idosa. Claro que esta testemunha não tinha falado com os «africanos» nem ninguém lhe tinha dado qualquer informação, e os indivíduos, para ela como para mim, tanto podiam ser africanos como asiáticos ou americanos. Por algum desvio semântico, «africano» é — imprópria e equivocamente — sinónimo de «negro». Mais estranho ainda é ver-se o equívoco em obras literárias. A autobiografia de Maria Filomena Mónica, que é socióloga, Bilhete de Identidade, para quem admita o exemplo como de obra literária, acolhe o equívoco: «A uma mesa, vi um africano, mais velho do que eu, ao lado de dois ingleses, que pareciam ter dez anos, e um egípcio, de idade indefinida» (p. 257). Claro que a autora está a adiantar-se na narração: não viu logo tanto. Viu, mais precisamente, um negro, dois brancos e um indivíduo menos negro que o negro (graças à miscigenação da população do Egipto, de origem semítica ou berbere, com os Núbios, que, aliás, eram na Antiguidade vistos pelos Egípcios como inferiores, precisamente devido à cor da pele), que se veio a revelar egípcio. O negro, que por acaso era africano, era um ex-embaixador do Gana nas Nações Unidas. Os negros da Estrada de Benfica não eram, desconfio, africanos. A senhora era branca, sim, mas podia ser, não lhe perguntei, africana.
Passava pela Estrada de Benfica, a Baixa da freguesia, quando vi um ajuntamento perto da Igreja de Nossa Senhora do Amparo. Aproximei-me, movido pela curiosidade e pelos pés, que se encaminhavam para a padaria. «Ah, foram dois africanos que…», dizia uma senhora idosa. Claro que esta testemunha não tinha falado com os «africanos» nem ninguém lhe tinha dado qualquer informação, e os indivíduos, para ela como para mim, tanto podiam ser africanos como asiáticos ou americanos. Por algum desvio semântico, «africano» é — imprópria e equivocamente — sinónimo de «negro». Mais estranho ainda é ver-se o equívoco em obras literárias. A autobiografia de Maria Filomena Mónica, que é socióloga, Bilhete de Identidade, para quem admita o exemplo como de obra literária, acolhe o equívoco: «A uma mesa, vi um africano, mais velho do que eu, ao lado de dois ingleses, que pareciam ter dez anos, e um egípcio, de idade indefinida» (p. 257). Claro que a autora está a adiantar-se na narração: não viu logo tanto. Viu, mais precisamente, um negro, dois brancos e um indivíduo menos negro que o negro (graças à miscigenação da população do Egipto, de origem semítica ou berbere, com os Núbios, que, aliás, eram na Antiguidade vistos pelos Egípcios como inferiores, precisamente devido à cor da pele), que se veio a revelar egípcio. O negro, que por acaso era africano, era um ex-embaixador do Gana nas Nações Unidas. Os negros da Estrada de Benfica não eram, desconfio, africanos. A senhora era branca, sim, mas podia ser, não lhe perguntei, africana.
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