X, o Panóptico
Na entrevista de ontem a Mário Crespo, no Jornal das 9, na Sic Notícias, António Lobo Antunes confessou ter pena que em Portugal não haja a distinção anglo-saxónica entre publisher e editor. Este, alvitrou, ajudá-lo-ia com conselhos, «corte aqui», «desenvolva ali». A não ser que Lobo Antunes se referisse à distinção meramente semântica, a verdade é que temos publishers (dos quais, de resto, não manifestou esperar nem conforto nem conselhos) e editors — que se reúnem na mesmíssima pessoa. E isso não tem nada de estranho. Quando Lobo Antunes escrevia nas folhas de prescrição médica com o timbre do Hospital Miguel Bombarda (usando para fins privados um bem público — honra nossa…), mesmo durante as horas de serviço e estando de bata, também não seria fácil distinguir quem era o escritor e quem era o médico. É claro que se se referia ao facto de o publisher estar nas Maldivas a apanhar banhos de sol e o editor a compor-lhe a prosa, essa realidade é mais norte-americana. A minha experiência, consideravelmente menos vasta do que a de Lobo Antunes, é a de que a função do editor anglo-saxónico está nos nossos directores e responsáveis editoriais, e, por vezes, nos simples assistentes editoriais. No fundo, trata-se da mesma espécie de ignorância que revelava, há uns meses, um crítico literário com quem conversei, que mostrou não saber, nem sequer aproximadamente, qual o papel de um revisor, ainda que estivesse absolutamente convicto de o saber. A mim, como revisor e tradutor, é-me dado ver o que eles não vêem, e vice-versa. Não há, em relação a nenhuma realidade, observadores panópticos.
Mário Crespo é inteligente. Começou por exorcizar o mal, afirmando que entrevistar António Lobo Antunes era intimidante. E isto, por vezes, resulta. Como parece ter sido o caso. Com sorrisos, meios sorrisos e silêncios, Mário Crespo soube gerir o tempo, generoso, como sempre devia ser, da entrevista. Mas houve afirmações enigmáticas ou ambíguas de Mário Crespo, como quando disse que ninguém escrevia como Lobo Antunes. Não podia deixar de dizer o mesmo, suponho, e com o mesmo grau de justeza, se o entrevistado fosse José Saramago, Mário Cláudio, José Rentes de Carvalho ou José Luís Peixoto, por exemplo. A quase louvaminha por causa da disposição gráfica da dedicatória de O Meu Nome É Legião, tantas vezes mais fruto da inspiração do paginador do que escolha ponderada do autor, foi caricata. Se a observação tivesse sido feita em relação a outras ousadias formais do autor, de que tem epígonos bastantes, e que a mim, pessoalmente, me não encantam, aí sim, entrávamos no mérito do autor.
Na entrevista de ontem a Mário Crespo, no Jornal das 9, na Sic Notícias, António Lobo Antunes confessou ter pena que em Portugal não haja a distinção anglo-saxónica entre publisher e editor. Este, alvitrou, ajudá-lo-ia com conselhos, «corte aqui», «desenvolva ali». A não ser que Lobo Antunes se referisse à distinção meramente semântica, a verdade é que temos publishers (dos quais, de resto, não manifestou esperar nem conforto nem conselhos) e editors — que se reúnem na mesmíssima pessoa. E isso não tem nada de estranho. Quando Lobo Antunes escrevia nas folhas de prescrição médica com o timbre do Hospital Miguel Bombarda (usando para fins privados um bem público — honra nossa…), mesmo durante as horas de serviço e estando de bata, também não seria fácil distinguir quem era o escritor e quem era o médico. É claro que se se referia ao facto de o publisher estar nas Maldivas a apanhar banhos de sol e o editor a compor-lhe a prosa, essa realidade é mais norte-americana. A minha experiência, consideravelmente menos vasta do que a de Lobo Antunes, é a de que a função do editor anglo-saxónico está nos nossos directores e responsáveis editoriais, e, por vezes, nos simples assistentes editoriais. No fundo, trata-se da mesma espécie de ignorância que revelava, há uns meses, um crítico literário com quem conversei, que mostrou não saber, nem sequer aproximadamente, qual o papel de um revisor, ainda que estivesse absolutamente convicto de o saber. A mim, como revisor e tradutor, é-me dado ver o que eles não vêem, e vice-versa. Não há, em relação a nenhuma realidade, observadores panópticos.
Mário Crespo é inteligente. Começou por exorcizar o mal, afirmando que entrevistar António Lobo Antunes era intimidante. E isto, por vezes, resulta. Como parece ter sido o caso. Com sorrisos, meios sorrisos e silêncios, Mário Crespo soube gerir o tempo, generoso, como sempre devia ser, da entrevista. Mas houve afirmações enigmáticas ou ambíguas de Mário Crespo, como quando disse que ninguém escrevia como Lobo Antunes. Não podia deixar de dizer o mesmo, suponho, e com o mesmo grau de justeza, se o entrevistado fosse José Saramago, Mário Cláudio, José Rentes de Carvalho ou José Luís Peixoto, por exemplo. A quase louvaminha por causa da disposição gráfica da dedicatória de O Meu Nome É Legião, tantas vezes mais fruto da inspiração do paginador do que escolha ponderada do autor, foi caricata. Se a observação tivesse sido feita em relação a outras ousadias formais do autor, de que tem epígonos bastantes, e que a mim, pessoalmente, me não encantam, aí sim, entrávamos no mérito do autor.
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