25.7.08

Acordo Ortográfico

Indolor

Rui Tavares, uma das vozes mais sensatas na comunicação social a falar sobre o Acordo Ortográfico, já aqui o disse, em artigo publicado na edição de anteontem do Público escrevia sobre as consoantes mudas e a propósito de se ver com alguma frequência «contracto» (no sentido de acordo), «traducção», «conductor» e outras palavras com um c a mais: «A partir de agora passa a haver uma regra simples. No momento de escrever, pense-se: eu pronuncio aquele “c”? Se sim, escrevo. Caso contrário, não escrevo (ou, em alternativa: se desejo continuar a escrevê-lo, devo pronunciá-lo). Esta regra vai facilitar a vida a muita gente no momento da escrita. E ela é, por si só, a grande mudança que o cidadão comum vai ter de fazer. Quando começar a ser utilizada, pouca gente quererá voltar atrás.» Conclui Rui Tavares: «Se estamos numa de palpites, deixo o meu: daqui a cinco anos ninguém se vai lembrar das razões de tanta resistência» («Nem se vai dar por isso», Público, 23.07.2008, p. 36).

7 comentários:

José Pires F. disse...

Não posso deixar de concordar com cada palavra deste post e, até gostava de concordar mais, se fosse possível.

Helder Guégués disse...

Bem, não me parece impossível, pois a concordância tem gradação, ao contrário da identidade, não é assim?

Prof-Forma disse...

Eu lamento discordar, mas sinceramente sou um «identitário». Parece-me bom que mantenhamos na escrita a ligação com a História do povo que somos, através desses renegados «cc» e «pp» que remetem para a etimologia. O escrever não obedece apenas aos critérios da utilidade e da facilidade (se assim fosse, porque não permitir os «kk» e demais abreviaturas de SMS na escrita de documentos importantes?): é a reprodução gráfica de uma língua, e inerentemente de um traço cultural axial num povo. Não pode, por isso, fazer tábua rasa de tudo o que esse povo foi e é. Mas enfim - são argumentos «culturais», coisa que raramente pega junto da nossa classe política...

Anónimo disse...

Parece-me que com esse género de pensamento hoje em dia teríamos ainda Pharmácias e por aí adiante..

Prof-Forma disse...

Sim, Joaquim Ferrado. E se fosse esse o caso o país não tinha progredido um décimo. Era o Cafarnaum: atente-se na França, onde as dissensões civis são cíclicas, na Inglaterra, onde as cabeças rolam pelas praças, ou na Alemanha, vergonha da Europa, um dos países mais pobres do Mundo - tudo porque quando escrevem «filosofia» na sua língua respeitam o «ph» dos étimos «philos» e «sophos». E, nas suas sábias palavras, "assim por diante".
O argumento de que e todos pensassem assim escrevíamos como antigamente é singularmente curioso e revelador: as gentes «do antigamente» seriam crassas, padeceriam de um qualquer atraso mental que só a alteração administrativa da ortografia do Português conseguiu suprir? Parece-me pouco aceitável dizer isso de Eça ou de Pessoa. Mas enfim: como apaixonado pela Filosofia da História e pela História das Mentalidades é sempre com alguma ternura que me deparo com esta percepção progressiva e linear da História Humana, desde as trevas mais remotas até aos fulgores da luz e do saber, na qual todo o passo atrás (ou melhor, no qual todo o recurso a uma ideia mais antiga, mentalmente encarado um passo atrás) é olhado com horror com todos os que querem dar passos em frente (sendo que qualquer ideia nova, ainda antes de um escrutínio aturado, é já e por inerência estatuída em passo em frente). O pensamento positivista ainda está profundamente incrustado na carne dos lusitanos. E temo que não saia de lá tão cedo...

José Pires F. disse...

Meu caro, JV.

Na língua, nada é fixo mas fixado de tempos a tempos por uma questão prática de comunicação e, sabemos bem, que uma das coisas belas da comunicação, está precisamente no rompimento das regras.
Esta discussão do Acordo Ortográfico, que vai da estagnação ao progresso lento e concertado, leva-me a reflectir sobre o mal-estar dos defensores do “Não” em verem aprovado o actual Acordo, e, escrevo mal-estar e não mal estar, porque a ortografia desta palavra decorre de uma regra publicada em decreto-lei, portanto com o alcance jurídico, que permite aos defensores do “Não” exigir o seu cumprimento para um caso e em simultâneo o incumprimento para o outro, aliás, as palavras compostas com recurso ao hífen, são uma confusão e dão-nos alguns desgostos, chegando a ponto de as encontrarmos grafadas com e sem hífen em dicionários de referência. Correntemente, há quem use e quem não use o hífen, seja por erro, por ordem prática ou preferência dos que acham que as normas são convencionais e não mandam na Língua.

Um bom exemplo, para além das mutações populistas, são alguns escritores que, perante a capacidade expressiva de um hífen poder cumprir funções semânticas, literárias ou estilísticas, se estão nas tintas para o padrão de orientação geral e desenvolvem novas formas, que, a par de outras, principalmente de sintaxe -mais comum do que de ortografia, leva alguns defensores do “Não” a dizerem que é dos escritores a honra de fazer norma, o que, a meu ver, e a par dos falantes que somos todos -porque não se trata de falar, mas de escrever com correspondência à fala, empurram a língua devido à sua padronização para a norma e daí a necessidade de tocar a reunir de tempos a tempos. Ora, como para além da norma, há quem proponha a norma, posteriormente, dicionaristas, gramáticos e linguistas, decidem ser esta ou aquela grafia, esta ou aquela construção sintáctica. Daqui se pode inferir, que ninguém em particular faz a norma, aparecendo esta, feita por toda a comunidade de forma retrospectiva e pelo reconhecimento oficial de um uso generalizado, quando não é por necessidade semântica.
Temos assim, que a norma é necessária para não nos apoiar-mos em balbúrdias e evitarmos afastamentos extremos que dificultariam a comunicação e, da mesma forma e pelos mesmos motivos, esta deve acompanhar os tempos.

A norma que nos regula data de 1945, e, também por isso, muitos defensores do “Não”, não são contrários a acordos ortográficos, sabem que a língua é como um organismo vivo que vai perdendo umas células, os arcaísmos por exemplo, e ganhando outras como os neologismos, são sim contra este Acordo, pela simples razão de o pensarem de forma diferente e independente de dizerem ‘stande’ ou escreverem ‘fevras’, outros, preferem a prosa redonda da integridade da Língua e divagações sobre soberania, outros preferiam uma poda como a de décadas atrás quando se limparam umas quantas palavras e outros ainda, acusam o Acordo de pertença do eixo Lisboa-Coimbra. Todos estes argumentos correm em paralelo e não importa que uns tentem falar mais alto que outros, o problema é que, os acordos não são ciências exactas, fazem-se pela urgência de resolver problemas de desfasamento correndo sempre o risco de provocar reacções contrárias, mas isso será sempre assim e esta discussão dura há 20 anos. É tempo, portanto, de aplicarmos este acordo por forma a controlarmos a dispersão que já se verifica (erva e desumano sem a consoante muda ‘h’, por ex. que estão consagradas no uso faz anos sem ter sido levada em conta a etimologia) e daqui a algum tempo recomeçar de novo.

José Pires F. disse...

PS: Para além da raiz da palavra e família de palavras, coisas da etimologia que há muito se me varreu, existem outras que são incontornáveis e entroncam na artificialidade da ortografia que, como sabe, e porque resulta de um conjunto de regras político-administrativas convencionadas e não de séculos de interacção entre fala e escrita, não é uma coisa natural. O resultado, pese embora a quem com honestidade intelectual é contra o Acordo defendendo razões culturais e históricas da grafia (graphia) de cada palavra, tem sido o de não existir qualquer estratégia para se escrever correctamente que não passe pela memorização do léxico e também pela interiorização das regras devido à experiência que vamos adquirindo.

Um abraço.