17.7.08

«Presidenta»?

A president…


      Alguns leitores pedem-me que me pronuncie sobre a afirmação de Pilar del Río de que é presidenta e não presidente da Fundação José Saramago. Na entrevista ao Diário de Notícias (edição de 6.7.2008, pp. 2-5), interrompeu o jornalista para lhe chamar ignorante. «Só os ignorantes é que me chamam presidente. A palavra não existia porque não havia a função, agora que existe a função há a palavra que denomina a função. As línguas estão aí para mostrar a realidade e não para a esconder de acordo com a ideologia dominante, como aconteceu até agora. Presidenta, porque sou mulher e sou presidenta.»
      Que história é essa de antes não haver a função? Antes quando? O substantivo «presidente» é comum de dois. Alguém diz a agenta, a clienta, a estudanta, a gerenta, a imigranta, a serventa? Nestes substantivos, são os adjuntos (artigos, adjectivos, pronomes, numerais) com flexão de género que indicam o sexo: o agente, a agente; o cliente, a cliente; o estudante, a estudante; o gerente, a gerente; o imigrante, a emigrante; o servente, a servente… Pilar del Río é espanhola, e o Diccionario de la Real Academia é que regista que «presidenta» é a «mujer que preside». Cá, o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, ainda apenas regista: «presidenta s. f. (De presidente). 1. Deprec. Esposa do presidente. 2. Fam. e Pop. Mulher que desempenha as funções de presidente. Masc. presidente.» Eu sei e digo-o sempre: os dicionários não são oráculos. O que interessa é reflectirmos nisto: qual a necessidade de alterarmos uma palavra com estas características tão neutras? Historicamente, é verdade, alguns destes substantivos variaram: diz-se infante, mas também se diz infanta; diz-se governante, mas também se diz governanta; diz-se parente, mas também se diz parenta.
      Uma solução de compromisso seria chamar presidenta a Pilar del Río apenas quando a entrevista é feita além-fronteiras. Em Badajoz, seria presidenta. Se decorresse em Olivença, por exemplo, já nos deveríamos mostrar minimamente patriotas, chamando-lhe afoitamente presidente.

4 comentários:

Maria Brandão disse...

Além de instrutivo, tem piada :)

Anónimo disse...

Ora aqui vem uma espanhola de narizinho arrebitado dizer-nos como falar no nosso idioma. Se não pusermos esta gente no lugar, surgirão por cá outras mais.

Não lhes dê tréguas, Helder.

Anónimo disse...

Aqui no Brasil a palavra presidenta já está dicionarizada e é de uso corrente, sem qualquer conotação pejorativa e sem marca de uso. A Presidenta da vizinha Argentina tem sido notícia nos jornais, com bastante frequencia.

Helder Guégués disse...

Fernando
Ela deve achar-se no mínimo co-partícipe do grande feito que foi alcançar o Nobel, vai ser difícil mostrar-lhe que não somos todos os ignaros que nos declara.
Um abraço.

Paulo
Pois, mas cá ainda tem essa conotação — e não deixará de a ter a pedido de uma interessada. A língua é mais caprichosa, e imprevisível, e independente da nossa vontade.
Um abraço.