3.8.08

Propriedade e clareza

Mas qual «qual»?

Cada época tem as suas manias, os seus modismos. Actualmente, e já com alguns anos, o abuso e uso inadequado das expressões «à qual» e «da qual» é algo de penoso. Na oralidade, e é a ela que me estava a referir, é simplesmente atroz e fonte de complicação. Na rádio e na televisão, todos os dias ouço «da qual», «à qual» e variantes, a maioria das vezes sem concordância. É também desta questão que o excerto de recensão a seguir trata: «Aspecto decisivo, porém, é o da tradução. Agamben é um estilista de grande clareza. Os tradutores deploram esta clareza; acham por vezes que têm de defender o filósofo de si mesmo e apõem-lhe uma complexidade mais adequada ao seu “estatuto”. Esta escusada generosidade tem o seu preço gramatical: ocorrem os “à qual” em vez de “pela qual”; uma ou outra expressão toscamente traduzida é grafada com aspas para desculpar-se da sua aspereza» («O anjo descriador», Francisco Luís Parreira em recensão à obra Bartleby, Escrita da Potência, de Giorgio Agamben, publicada pela Assírio & Alvim, Público/Ípsilon, 25.07.2008, p. 33).

2 comentários:

Anónimo disse...

De acordo com o que dizes ("Na oralidade, e é a ela que me estava a referir, é simplesmente atroz e fonte de complicação") o "texto" a que este crítico se refere não é da ordem da "oralidade" mas sim da "escrita" filosófica pura; um texto que requer um adequado, sensível e rigoroso uso da linguagem. O crítico nem se atreve a distinguir a diferença "gramatical" dos dois pronomeres reflexivos apresentados, mas bastar-lhe-ia ter lido o original de Agamben, que demonstra desconhecer, para ter evitado as asneiras sucessivas que expõs. NO original o uso de "à qual" (alla quale), que me parece ocorrer apenas uma ou duas vezes (um exmplo irrelevante), é antecedido no mesmo periodo por um "pela qual" (per la quale)... Desconfio estarmos ante um "opinion maker" que se sente ofendido de não sido chamado à conversa pelos editores, e muito provavelmente por se achar detentor dos direitos de Bartleby em Portugal... ele nem se apercebeu, p. ex., que o modo condicional (aquilo a que a que muitos, como p. ex. Lindley Cintra na sua Nova Gramática Portuguesa, não consideram ser um modo do verbo mas um tempo: o chamado "futuro do pretérito") do verbo "preferir" é "preferiria" e nunca "preferia" (pretérito perfeito); algo que os tradutores emendaram da tradução de Gil de Carvalho...
Ou seja, o exemplo que aqui expões (o de um incompetente) apresenta apenas a dificuldade que certa crítica tem de ler, ou seja, a falta de inteligência; é esta a infilicidade do nosso pais. O crítico nem leu a capa do volume, não se apercebeu que na capa está: edição de Giorgio Agamben e de Pedro A.H. Paixão... ou seja, sem falar no que está na ficha técnica do volume, dá as culpas apenas ao último (tavés por ser português)... e muito menos se apercebeu que o volume é de Agamben, que o texto de Melville aparece quase como apêndice. O volume parece ser uma autobiografia filosófica de Agambem). Estamos ante um volume precioso e único.
Mais, quem conhece o original de Agamben (um texto extrememente complexo e preciso) aparecebe-se que esta tradução e edição foi seguida com rigor raro e enorme generosidade, algo que o crítico do Publico mal chegou a vislumbrar ou tatear (assim acontece com um elefante que entra numa sala de chá e quer agarrar numa taça de porcelana) tanto estava preocupado com o maldizer...

[AR]

Helder Guégués disse...

Uma precisão: eu não afirmei que o texto do crítico pertencia à oralidade. Bem, tirando isso, parece conhecer o original. Que digo? Parece (conhecemo-nos, A. R.?) ser o próprio tradutor, e acho bem que se defenda do que parece ser uma infausta inépcia do crítico. Se este quiser, também pode replicar neste blogue. Eu, por meu lado, vou ler o original e a tradução.