14.12.08

Recensão

Quatro estrelas

      Quem é que não aprende com as críticas literárias? Bem, muita gente. Hoje trago um exemplo de crítica (um excerto, na realidade, a crítica na íntegra pode ler-se aqui) que tem utilidade para leitores, tradutores e revisores. Infelizmente, não abundam os exemplos de críticas assim, pois é mais fácil colar meia dúzia de frases da própria obra, duas citações, e já está.
      «Nota: É uma pena que a edição portuguesa do livro de Robert Fisk tenha tantas falhas de tradução e revisão. Dois exemplos graves: confundir a cidade de Hama, na Síria, onde as forças sírias de Hafez al-Assad massacraram mais de 20 mil pessoas em 1982, com o movimento islâmico palestiniano Hamas (p. 213); dizer que a grande diva árabe Umm Kulthoum é “um cantor egípcio” (p. 421) — para quem não sabe que “Umm” significa, em árabe, “mãe de…”, uma busca no Google evitaria isso. Também o primeiro-ministro israelita, em 1990, é Ytzhak Shamir e não Ytzhak Rabin, como está na página 387. Depois, temos “montes Golãs” em vez de Montes Golã, “Cúpula da Rocha” em vez de Cúpula do Rochedo. E porquê escrever “Ramalá” e “Ramallah”? A ânsia de aportuguesar as palavras (chariá, xador, burca...) é uma irritante obsessão. Se optaram por “mulá”, então por que deixaram “mawlawi”, o plural de “mawla”, termo árabe de que deriva o persa “mullah”? E já agora outro esclarecimento: não há “mujahedines” nem “ulemas”, porque “mujahedin” é o plural de “mujahid” (combatente) e “ulema” é plural de “ulama”. A lista é longa, infelizmente» («As guerras de Fisk», Margarida Santos Lopes, recensão da obra A Grande Guerra pela Civilização, de Robert Fisk. Edições 70, tradução de Victor Silva e Miguel Mata. Público/Ípsilon, 5.12.2008, p. 44).
      Algumas observações. Na verdade, não é montes Golãs nem Montes Golã, mas montes Golã. Mawlawi, a par de mulá, é lamentável. Mujahedines (e mujahidines) foi a grafia corrente durante muito tempo na imprensa portuguesa. Actualmente, vê-se mais mujaidines, aportuguesamento mais coerente. Há muitos anos que se usa ulemá/ulemás na língua portuguesa.

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Helder Guégués

Sobre este assunto, cumpre-me, em representação da Editora, prestar alguns esclarecimentos (falei com a jornalista sobre este assunto e faço-o aqui porque na Editora acompanhamos e admiramos o trabalho que desenvolve). Antes de mais, lamentamos os erros que constam da tradução portuguesa, que rectificaremos na próxima edição. Todavia, foram feitos reparos que nos parecem injustos, em especial sobre os aportuguesamentos: «aiatolá», «ulemá», «mulá», por exemplo, constam do Houaiss (versão Círculo de Leitores), pelo que não percebo porque é que «mulá» é lamentável; «mawlawi», tanto quanto sei, não está ainda dicionarizado. Quanto a «mujahedines», o seu próprio post dá a resposta; a troca de nome próprio do primeiro-ministro consta do original.
Nada disto, note-se, pretende desculpar os erros que constam da nossa edição, mas que nos seja apontado aquilo que é de facto um erro. Estamos em crer que o rigor na edição também se faz com leitores exigentes e, por isso, tentamos aprender com, e corrigir, os nossos erros. O público tem direito a receber um produto escorreito, de qualidade.
Parabéns pelo blogue e pelo serviço que presta.
Com os melhores cumprimentos

Pedro Bernardo

Helder Guégués disse...

Agradeço as suas palavras. Todo o meu trabalho se destina a melhorar um produto tão específico como é o livro.
Cumprimentos,
Helder Guégués