Evidentemente
O filósofo Desidério Murcho perguntou anteontem se era só ele «ou o leitor também considera uma tolice que se fale sistematicamente do ocidente (às vezes até com maiúscula!), quando na verdade se quer falar apenas (de partes) da Europa e dos Estados Unidos da América, esquecendo-se 1) a África, que tem países mais ocidentais do que muitos países europeus, e 2) o Japão, que lá por estar no oriente é mais parecido com a Europa e os Estados Unidos do que muitos países africanos? Não seria melhor deixar de usar um termo geográfico quando temos em mente uma classificação política e económica e social e cultural?» («Tento na língua», 11.07.2009, aqui).
Decerto que a pergunta também é para mim, porque sou leitor do filósofo, e por isso vou responder. Não, não acho. E muito me apraz que não tenha depreciado desta vez a insuficiência da língua portuguesa. É que esta questão do Ocidente (ah, sim, com maiúscula, evidentemente) diz respeito a muitas línguas. Ocidente, no primeiro desvio que sofreu em relação à acepção puramente geográfica, começou por significar, por metonímia, a civilização e os povos que habitavam os países da Europa situados no Oeste do continente. Passou depois, em política internacional, a designar-se por Ocidente o conjunto que abrange os países capitalistas da Europa Ocidental e os Estados Unidos, por oposição aos países do Leste europeu, de economia socialista e à China Popular. Por vezes, surpreendemos o significado de Estado-membro da NATO (ou OTAN, se quiserem). A propósito de regime político, o Cambridge Advanced Learner’s Dictionary já apresenta a seguinte definição: «the West (COUNTRIES) noun [S] North America, those countries in Europe which did not have communist governments before the 1990s, and some other parts of the world». Ponha Desidério Murcho nestas some other parts of the world o Japão e demais países que se lhe afigurem ficar bem ali. E também deixo uma pergunta: e íamos substituir Ocidente por que termo menos controverso e adequado?
O filósofo Desidério Murcho perguntou anteontem se era só ele «ou o leitor também considera uma tolice que se fale sistematicamente do ocidente (às vezes até com maiúscula!), quando na verdade se quer falar apenas (de partes) da Europa e dos Estados Unidos da América, esquecendo-se 1) a África, que tem países mais ocidentais do que muitos países europeus, e 2) o Japão, que lá por estar no oriente é mais parecido com a Europa e os Estados Unidos do que muitos países africanos? Não seria melhor deixar de usar um termo geográfico quando temos em mente uma classificação política e económica e social e cultural?» («Tento na língua», 11.07.2009, aqui).
Decerto que a pergunta também é para mim, porque sou leitor do filósofo, e por isso vou responder. Não, não acho. E muito me apraz que não tenha depreciado desta vez a insuficiência da língua portuguesa. É que esta questão do Ocidente (ah, sim, com maiúscula, evidentemente) diz respeito a muitas línguas. Ocidente, no primeiro desvio que sofreu em relação à acepção puramente geográfica, começou por significar, por metonímia, a civilização e os povos que habitavam os países da Europa situados no Oeste do continente. Passou depois, em política internacional, a designar-se por Ocidente o conjunto que abrange os países capitalistas da Europa Ocidental e os Estados Unidos, por oposição aos países do Leste europeu, de economia socialista e à China Popular. Por vezes, surpreendemos o significado de Estado-membro da NATO (ou OTAN, se quiserem). A propósito de regime político, o Cambridge Advanced Learner’s Dictionary já apresenta a seguinte definição: «the West (COUNTRIES) noun [S] North America, those countries in Europe which did not have communist governments before the 1990s, and some other parts of the world». Ponha Desidério Murcho nestas some other parts of the world o Japão e demais países que se lhe afigurem ficar bem ali. E também deixo uma pergunta: e íamos substituir Ocidente por que termo menos controverso e adequado?
8 comentários:
que achar disto? http://www.ionline.pt/conteudo/12930-cmo-se-mexe-lingua-qd-se-da-1-linguado
Não sei se pergunta por perguntar ou por outro motivo: para mim não há qualquer dúvida que "Ocidente", nos contextos abordados, significa muito simplesmente "do sistema capitalista". É até curioso que países da Europa Central (como a Hungria) continuem a ser chamados de "leste", tudo por, em tempos relativamente recentes, terem sido apelidados de "comunistas". Mas, enfim... Já agora: e os países bálticos? Também serão de "leste"? E a Grécia, que é mais a leste que a Eslováquia ou a Sérvia, por exemplo? E que tal pôr os nomes aos bois? A ignorância é filha da manipulação política do sistema. Capitalista, obviamente, meus caros...
Aqui ninguém pergunta por perguntar, mas para saber. Contudo, se um filósofo se basta com o questionar, um estudioso da língua quer e precisa de soluções, pois que é isso que lhe pedem.
Uma pessoa põe em causa a adequação de se usar "Homem" para falar da humanidade, que da última vez que verifiquei compreendia também mulheres.
E a outra diz: ah, e tal, mas isso é muito usado, incluindo noutras línguas.
A minha resposta é: não faz diferença alguma. Continua a ser uma tolice. E, na verdade, uma forma de manipulação política.
O problema das convenções, caro Desidério, não é o de saber se todos estamos de acordo com elas, mas sim se todos estamos a falar do mesmo quando as usamos.
Não há "o" problema das convenções. As convenções têm vários problemas, e abrangem vários aspectos.
Um dos aspectos é o mais básico: todos entendermos o que estamos a dizer.
Outro aspecto é a ideologia subjacente, que pode não ser aceitável e que deve em qualquer caso ser abertamente discutida.
Se a única coisa que houvesse a dizer sobre convenções linguísticas é que funcionam ou não, nenhum problema haveria em chamar "preto" aos negros, pois esta é claramente uma convenção que funciona, no sentido em que toda a gente compreende o que se está a dizer. Mas funciona também noutro sentido insidioso: ofende deliberadamente os negros.
Parece então que há convenções concorrentes, pois aos negros chamamos também, e todos compreendemos, porque é outra convenção, negros. Assim, parece que há mesmo um só problema com as convenções — sabermos do que estamos a falar —, com vários aspectos. Um dos aspectos é, como identificou, o da ideologia.
Há vários problemas com as convenções, um dos quais é a convenção ser amplamente conhecida. Em alguns casos, a convenção não é amplamente conhecida. O significado da palavra "hermenêutica" é tão convencional quanto o da palavra "chouriço", mas o segundo é amplamente conhecido e o primeiro não.
Mas a amplitude do conhecimento que as pessoas têm de uma dada convenção linguística está longe de ser o único problema das convenções linguísticas. Outro problema igualmente elementar é saber por que razões umas convenções ganham preponderância sobre outras.
Outro problema, mais sofisticado, é saber em que condições uma convenção pode funcionar. David Lewis, por exemplo, escreveu amplamente sobre isso. A convenção é um aspecto central da linguagem, mas não é líquido saber o que é realmente uma convenção ou como funciona.
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