11.7.09

Tradução: «coroner» (I)

Imagem: http://doctorbulldog.wordpress.com/

Inspecção de si mesmo


      «Há muitos anos escrevi um perfil para o The New York Times Magazine sobre o homem que era então o coroner-chefe de Nova Iorque, o lendário Milton Helpern» (Onde Deixei os Meus Óculos?, Martha Weinman Lear. Porto: Porto Editora/Ideias de Ler, 2008. Tradução de Jorge Beleza, p. 50). Embora muitas vezes se afigure ser a única solução, ficar metade da palavra em inglês e metade em português não me parece boa ideia, e já aqui o disse mais de uma vez. Na obra citada ainda há mais: entre a palavra «coroner» e o hífen ainda há uma chamada de nota de pé de página (o que não consigo reproduzir aqui, por limitações do Blogger). Nesta, o tradutor escreve que «coroner» é o «magistrado encarregado de investigar casos de morte suspeita». Um reparo: não teria sido preferível escrever «chief-coroner», cargo que de facto existe? Assim, a nota de rodapé teria a redacção ligeiramente alterada. Quanto à nota: não sei se magistrado explica bem esta figura do sistema legal norte-americano. (O Dicionário Inglês-Português da Porto Editora regista apenas para coroner: «juiz de instrução».) Vejamos. Em 1950, por exemplo, dos 70 coroners que havia no Wisconsin, 33 eram morticians, isto é, agentes funerários. Talvez seja melhor dizer que coroner é o funcionário público, habitualmente eleito, que investiga todas as mortes que se suspeitem não sejam naturais. Por outro lado, se é verdade que Milton Helpern (1902―1977) aparece muitas vezes referido como coroner, o certo é que Nova Iorque aboliu este sistema em 1915 (e já tinha sido abolido no século XIX noutros Estados), instituindo em seu lugar o de medical examiner, e para exercer este é preciso ser-se, pelo menos em princípio, médico, patologista ou médico-legista. E Milton Helpern era licenciado em Medicina. É que o medical examiner faz autópsias (palavra, a propósito, bem infeliz, pois que significa «olhar-se a si próprio». Ora, na autópsia não olhamos para nós próprios. Melhor será dizer «necropsia»). Milton Helpern, uma autoridade mundial, tornou-se chief medical examiner em 1954. O cargo de coroner, que tinha sido criado no sistema legal inglês em 1194, foi levado para a América. Não, não me enganei: é do tempo pré-normando. Originalmente, designava-se por custos placitorum coronæ, e daqui proveio, através de crowners, o vocábulo coroner.