Algumas incertezas
Cara Luísa Pinto: como pode ver a seguir, para lá de algumas incertezas (socio- é de natureza adjectival ou substantiva?), a maioria dos estudiosos considera que se deve escrever sociopolítico, sem hífen, como eu faço.
«Nos vocábulos socioeconômico e sociopolítico faz-se referência, portanto, à sociedade (no sentido de relações sociais), ao mesmo tempo destacando-se, por razões de detalhamento descritivo e analítico, uma de suas dimensões. Não há, por conseguinte, verdadeira individualidade semântico morfológica. Pela lógica conceitual, teórica e epistemológica, justifica-se plenamente a ausência de hífen» («Em torno de um hífen», Marcelo Lopes de Souza, Revista Formação, n.º 15, volume 1, p. 160).
«Prefiro seguir a lição de meu mestre Celso Pedro Luft, que advogava o uso do hífen em todos esses casos de [adjetivo + adjetivo], em que o primeiro sofre redução. Como eu já tive a oportunidade de explicar no artigo sobre Tele-entrega, a autonomia do primeiro elemento fica comprovada pela ocorrência das vogais abertas /é/ e /ó/, que só podem aparecer, em nossa língua, na posição tônica. Compare-se sociologia (a vogal tônica é o /i/; o /o/ da primeira sílaba é fechado) com sócio-econômico (a vogal tônica é o /o/ aberto); como não existem duas tônicas em um só vocábulo, fica evidente que estamos unindo aqui dois vocábulos independentes, social e econômico, para formar um composto. Além disso, esta opção pelo hífen nos permite escrever sócio-político-geográfico-econômico, por exemplo, que, no modelo do Aurélio XXI, seria sociopoliticogeograficoeconômico — duro de ler, difícil de entender e totalmente contrário à intuição que nós, falantes, fazemos de compostos desse tipo. Essa é a razão por que me parece mais adequado grafar buco-maxilo-facial, cárdio-respiratória, etc. — mas, como espero ter deixado bem claro, percebo que a outra grafia, sem hífen, tem também seus argumentos (e seus ilustres defensores)» («O emprego do hífen: sócio-econômico» Cláudio Moreno, Sua Língua).
«Rebelo Gonçalves, no seu Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, recomenda: “Nos compostos em que entram, morfologicamente individualizados, um ou mais elementos de natureza adjectiva terminados em o e uma forma adjectiva’, deve-se usar o hífen.” Exemplos da obra: “africano-árabe”, “físico-químico-naturais”. Nesta ideia e considerando sócio um adjectivo, na alternativa aceite pelo Dicionário Houaiss, eu escreveria: sócio-político, e sócio-político-económico. Note, porém, que o léxico já regista sociopolítico e socioeconómico. As justificações de Rebelo Gonçalves são difíceis de sustentar presentemente, pois pouca gente consegue descortinar hoje a origem grega ou latina dos agrupamentos de letras para poder escolher convenientemente, e, além disso, o uso muitas vezes ignorou essas regras» («Hífen em compostos morfológicos, h interior», D'Silvas Filho, Ciberdúvidas, 14.04.2008).
«Em suma, o uso impôs o elemento de composição socio-, e daí escrever-se socioeconómico, sociopolítico. Seria certamente mais coerente escrever sócio-, com hífen e acento agudo, justamente para mostrar que a forma era originalmente um elemento de natureza adjectiva, uma redução de social. Mas quando sócio- surge associado a outros elementos de natureza adjectival, é legítimo regressar aos preceitos de Rebelo Gonçalves e escrever como D’Silvas Filho sugere: sócio-político-económico» («Hífen em compostos morfológicos, h interior», Carlos Rosa, Ciberdúvidas, 14.04.2008).
«As palavras compostas, cuja primeira parte é o elemento de composição socio (e não sócio), não têm hífen: sociodemográfico, sociopolítico, sociocultural, sociocracia, sociograma, etc.» («Hífen, de novo», José Neves Henriques, Ciberdúvidas, 23.12.1997).
«A grafia correcta das palavras que suscitaram a sua dúvida é sociopolítico e económico-político. Porquê a aparente incoerência entre uma forma e outra? Veja-se o que diz Rebelo Gonçalves, no seu Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa: Deve usar-se o hífen «nos compostos em que entram, morfologicamente individualizados e formando uma aderência de sentidos, um ou mais elementos de natureza adjectiva terminados em o e uma forma adjectiva.» Encontra-se neste caso o elemento económico, pois é de natureza adjectiva, termina em o, e ocorre uma aderência de sentidos com a forma adjectiva político. O acento mantém-se porque se trata de um elemento morfologicamente individualizado. Outros exemplos: físico-químico, médico-cirúrgico, etc.
Por que é diferente o caso de sociopolítico? Porque a forma socio- não é de natureza adjectiva, como era a forma económico, mas, sim, de origem substantiva, e, segundo o mesmo tratado, “É inadmissível o uso do hífen nos compostos em que um elemento de origem substantiva, proveniente do grego ou do latim e terminado em o, se combina com um ou mais elementos substantivos ou adjectivos”. E dá como exemplos aerodinâmico, astrofísica, etc., e podíamos acrescentar sociopolítico» («Sociopolítico/económico-político», Rui Gouveia, Ciberdúvidas, 15.04.2003).
«Quanto a sociocultural, não se passa precisamente o mesmo: não pronunciamos a primeira sílaba com a intensidade suficiente para individualizarmos o elemento socio-. Normalmente proferimos a primeira sílaba do socio- com a mesma intensidade com que proferimos o final deste elemento. É a falta desta individualização que nos leva a escrever sociocultural, sociolinguística, sociopolítico, sociodrama, sociocracia, sociofilia, etc. […] Ora o elemento socio não é de natureza adjectiva, mas substantiva, do latim “sociu(m)”. Portanto, escreva-se também socioeconómico. Não esquecer: socio é de natureza substantiva e não adjectiva» («Socio-», José Neves Henriques, Ciberdúvidas, 29.04.1998).
«Quando o elemento SÓCIO for substantivo, devemos escrever com acento agudo e hífen: sócio-fundador, sócio-presidente, sócio-torcedor…
Quando o elemento SOCIO for adjetivo (redução de SOCIAL), devemos escrever sem acento e sem hífen: sociopolítico, sociolingüístico, sociocultural…
Assim sendo, o correto seria SOCIOECONÔMICO, mas a forma “sócio-econômico”, devido ao uso consagrado, já aparece registrada em alguns dicionários» («Curiosidades sobre o uso do hífen», Sérgio Nogueira, Globo.com»).
Cara Luísa Pinto: como pode ver a seguir, para lá de algumas incertezas (socio- é de natureza adjectival ou substantiva?), a maioria dos estudiosos considera que se deve escrever sociopolítico, sem hífen, como eu faço.
«Nos vocábulos socioeconômico e sociopolítico faz-se referência, portanto, à sociedade (no sentido de relações sociais), ao mesmo tempo destacando-se, por razões de detalhamento descritivo e analítico, uma de suas dimensões. Não há, por conseguinte, verdadeira individualidade semântico morfológica. Pela lógica conceitual, teórica e epistemológica, justifica-se plenamente a ausência de hífen» («Em torno de um hífen», Marcelo Lopes de Souza, Revista Formação, n.º 15, volume 1, p. 160).
«Prefiro seguir a lição de meu mestre Celso Pedro Luft, que advogava o uso do hífen em todos esses casos de [adjetivo + adjetivo], em que o primeiro sofre redução. Como eu já tive a oportunidade de explicar no artigo sobre Tele-entrega, a autonomia do primeiro elemento fica comprovada pela ocorrência das vogais abertas /é/ e /ó/, que só podem aparecer, em nossa língua, na posição tônica. Compare-se sociologia (a vogal tônica é o /i/; o /o/ da primeira sílaba é fechado) com sócio-econômico (a vogal tônica é o /o/ aberto); como não existem duas tônicas em um só vocábulo, fica evidente que estamos unindo aqui dois vocábulos independentes, social e econômico, para formar um composto. Além disso, esta opção pelo hífen nos permite escrever sócio-político-geográfico-econômico, por exemplo, que, no modelo do Aurélio XXI, seria sociopoliticogeograficoeconômico — duro de ler, difícil de entender e totalmente contrário à intuição que nós, falantes, fazemos de compostos desse tipo. Essa é a razão por que me parece mais adequado grafar buco-maxilo-facial, cárdio-respiratória, etc. — mas, como espero ter deixado bem claro, percebo que a outra grafia, sem hífen, tem também seus argumentos (e seus ilustres defensores)» («O emprego do hífen: sócio-econômico» Cláudio Moreno, Sua Língua).
«Rebelo Gonçalves, no seu Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, recomenda: “Nos compostos em que entram, morfologicamente individualizados, um ou mais elementos de natureza adjectiva terminados em o e uma forma adjectiva’, deve-se usar o hífen.” Exemplos da obra: “africano-árabe”, “físico-químico-naturais”. Nesta ideia e considerando sócio um adjectivo, na alternativa aceite pelo Dicionário Houaiss, eu escreveria: sócio-político, e sócio-político-económico. Note, porém, que o léxico já regista sociopolítico e socioeconómico. As justificações de Rebelo Gonçalves são difíceis de sustentar presentemente, pois pouca gente consegue descortinar hoje a origem grega ou latina dos agrupamentos de letras para poder escolher convenientemente, e, além disso, o uso muitas vezes ignorou essas regras» («Hífen em compostos morfológicos, h interior», D'Silvas Filho, Ciberdúvidas, 14.04.2008).
«Em suma, o uso impôs o elemento de composição socio-, e daí escrever-se socioeconómico, sociopolítico. Seria certamente mais coerente escrever sócio-, com hífen e acento agudo, justamente para mostrar que a forma era originalmente um elemento de natureza adjectiva, uma redução de social. Mas quando sócio- surge associado a outros elementos de natureza adjectival, é legítimo regressar aos preceitos de Rebelo Gonçalves e escrever como D’Silvas Filho sugere: sócio-político-económico» («Hífen em compostos morfológicos, h interior», Carlos Rosa, Ciberdúvidas, 14.04.2008).
«As palavras compostas, cuja primeira parte é o elemento de composição socio (e não sócio), não têm hífen: sociodemográfico, sociopolítico, sociocultural, sociocracia, sociograma, etc.» («Hífen, de novo», José Neves Henriques, Ciberdúvidas, 23.12.1997).
«A grafia correcta das palavras que suscitaram a sua dúvida é sociopolítico e económico-político. Porquê a aparente incoerência entre uma forma e outra? Veja-se o que diz Rebelo Gonçalves, no seu Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa: Deve usar-se o hífen «nos compostos em que entram, morfologicamente individualizados e formando uma aderência de sentidos, um ou mais elementos de natureza adjectiva terminados em o e uma forma adjectiva.» Encontra-se neste caso o elemento económico, pois é de natureza adjectiva, termina em o, e ocorre uma aderência de sentidos com a forma adjectiva político. O acento mantém-se porque se trata de um elemento morfologicamente individualizado. Outros exemplos: físico-químico, médico-cirúrgico, etc.
Por que é diferente o caso de sociopolítico? Porque a forma socio- não é de natureza adjectiva, como era a forma económico, mas, sim, de origem substantiva, e, segundo o mesmo tratado, “É inadmissível o uso do hífen nos compostos em que um elemento de origem substantiva, proveniente do grego ou do latim e terminado em o, se combina com um ou mais elementos substantivos ou adjectivos”. E dá como exemplos aerodinâmico, astrofísica, etc., e podíamos acrescentar sociopolítico» («Sociopolítico/económico-político», Rui Gouveia, Ciberdúvidas, 15.04.2003).
«Quanto a sociocultural, não se passa precisamente o mesmo: não pronunciamos a primeira sílaba com a intensidade suficiente para individualizarmos o elemento socio-. Normalmente proferimos a primeira sílaba do socio- com a mesma intensidade com que proferimos o final deste elemento. É a falta desta individualização que nos leva a escrever sociocultural, sociolinguística, sociopolítico, sociodrama, sociocracia, sociofilia, etc. […] Ora o elemento socio não é de natureza adjectiva, mas substantiva, do latim “sociu(m)”. Portanto, escreva-se também socioeconómico. Não esquecer: socio é de natureza substantiva e não adjectiva» («Socio-», José Neves Henriques, Ciberdúvidas, 29.04.1998).
«Quando o elemento SÓCIO for substantivo, devemos escrever com acento agudo e hífen: sócio-fundador, sócio-presidente, sócio-torcedor…
Quando o elemento SOCIO for adjetivo (redução de SOCIAL), devemos escrever sem acento e sem hífen: sociopolítico, sociolingüístico, sociocultural…
Assim sendo, o correto seria SOCIOECONÔMICO, mas a forma “sócio-econômico”, devido ao uso consagrado, já aparece registrada em alguns dicionários» («Curiosidades sobre o uso do hífen», Sérgio Nogueira, Globo.com»).
[Post 2905]
2 comentários:
Helder, isso tudo foi escrito antes o Novo Acordo Ortográfico, certo? E como fica sob a ótica dele?
Um abraço,
Julie
Fica igual, Julie.
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