«Um país que foi sujeito a um processo de mitridatização acaba por engolir todos os venenos sem ter efeitos. É como estamos hoje: por venenoso que seja o que sabemos sobre o comportamento da Casa de Sócrates, já não reagimos como devíamos, tão contínuas foram as doses de veneno que tivemos que tomar, que achamos tudo normal», escreveu Pacheco Pereira no Abrupto. Logo vieram pseudoclassicistas clamar, em mau português, que o neologismo vinha obrigar uma esmagadora maioria a pesquisar o termo. Será mesmo assim? Para quem já conhecia o vocábulo mitridatismo («processo de imunização contra os efeitos de um ou vários venenos que consiste em ministrar ao paciente doses gradualmente crescentes deste(s) mesmo(s) veneno(s)», define o Dicionário Houaiss), é claro que não.
Quanto a ser um neologismo. Bem, a língua regista o verbo mitridatizar há muito. E mitridatização em vez de mitridatismo compreende-se, pois, como também regista o Dicionário Houaiss em relação ao elemento pospositivo de composição -ação, formador de substantivos verbais de acção, «em princípio, qualquer verbo português da 1.ª conjugação tem um substantivo nessas condições, mesmo que para uso ad hoc por parte do decisor, mas quase sistematicamente aceito pelo ouvinte ou legente».
[Post 3111]
1 comentário:
Consigo imaginar Pacheco Pereira com um cálice na mão, mitridatizando-se e olhando para o espelho, a dizer todas as madrugadas: "espelho meu, haverá alguém mais venenoso do que eu?"
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