30.5.10

Topónimos

Den Haag, então


      «— Podia fazê-lo em seu nome de acordo com a Convenção de Hague de 1907, permita-me que lhe explique...
      — Sim, de acordo com o Artigo Quarenta e Seis, já conversámos sobre isso — disse Hannibal, olhando para Lady Murasaki e lambendo os lábios para parecer ávido» (Hannibal: A Origem do Mal, Thomas Harris. Tradução de Maria Dulce Guimarães da Costa e revisão de Cristina Pereira. Lisboa: Casa das Letras, 2007, p. 130).
      É espantoso como a tradutora não atinou com a versão portuguesa do topónimo. Então não é Haia? Nunca ouviu falar das célebres Convenções de Haia? Esta de 1907 chama-se, oficialmente, Convenção sobre a Resolução Pacífica de Controvérsias Internacionais. Hague, Copenhague...

[Post 3519]

7 comentários:

Virgínia Joaquim, tradutora e revisora disse...

Por acaso, o topónimo até tem artigo nas línguas francesa ("La Haye"), inglesa ("The Hague) e espanhola ("La Haya"), para referir apenas estas línguas mais conhecidas. Por cá, antes da actual vaga de ignorância, também se dizia e escrevia "a Haia". Por conseguinte, e salvo melhor opinião, a Convenção é "da Haia".

Anónimo disse...

E o "Artigo Quarenta e Seis", por extenso, não lhe deu nos nervos?

Helder Guégués disse...

Prefiro usar este topónimo sem artigo. Sim, «Artigo Quarenta e Seis» dá-me cabo dos nervos.

Anónimo disse...

Não sei se cá permitem a divulgação de links nos comentários, mas, por via das dúvidas, evito o link e transcrevo diretamente as palavras do Prof. Dr. Cláudio Moreno sobre a questão do artigo antes de "Haia". Diz ele:

"[...]Para começar, não é possível definir, com rigor, quando se usará (ou não) o artigo antes dos nomes de lugar. Nós, no Brasil, dizemos na França, na África, enquanto nossos irmãos de além-mar preferem em França, em África. No corpo do mesmo poema, Camões ora usa Espanha com artigo, ora sem: “Somente sei que é gente lá de Espanha” e “Um Rei, por nome Afonso, foi na Espanha”. O padre Vieira, o Imperador da Língua, tanto escreve “tenho visto a Companhia em todas as cinco Assistências dela: na de Portugal, na de Espanha, na de França, na de Alemanha, e na de Itália”, quanto “os príncipes da Itália”, “os portos da França”, “setenta mil soldados da Alemanha”. Aqui mesmo há uma velhíssima pendenga entre os que dizem em Recife e os que defendem no Recife - e os dois lados têm lá sua razão. “Certo” e “errado”, aqui, são conceitos temerários. Tudo vai depender do momento histórico, da região, dos hábitos consagrados pela língua culta.

No caso de Haia, há uma nítida indecisão histórica. Até o séc. XIX nota-se uma preferência (especialmente nos autores portugueses) por a Haia - embora Francisco Manuel de Melo e Rocha Pita usem o nome sem artigo. Eça e Machado ainda preferem a Haia, mas Fialho de Almeida ora usa o artigo, ora o dispensa. No séc. XX, no entanto, a preferência por Haia, sem artigo, é esmagadora e revela o que se chama, em Lingüística, de “direção de tendência”. Uma simples passeada pelo Google encontrou mais de 250.000 ocorrências para Tribunal de Haia contra 50.000 para Tribunal da Haia; mais de 300.000 para Corte Internacional de Haia contra 60 (seis dezenas!) para Corte Internacional da Haia; 950.000 para Convenção de Haia contra 140.000 para Convenção da Haia; finalmente - e impressionante! - mais de um milhão para Águia de Haia contra 33 (a idade de Cristo!) para Águia da Haia… Um milhão contra trinta e três! Ainda bem! Se fosse chamado de Águia DA Haia, Rui Barbosa começaria a dar voltas no túmulo como uma piorra!

Esses dados nos permitem afirmar, sem hesitação, que pouco a pouco vai diminuindo o número daqueles que acham necessário o artigo antes do nome desta cidade. Não podemos dizer que eles estejam errados, é claro - mas hoje a forma preferível é SEM o artigo. É completamente despropositado que uma minoria em extinção procure condenar aquilo que a maioria culta já decidiu há muito tempo. Ah, outra coisa: lembro que, nesses casos, a posição que adotarmos quanto ao artigo vai naturalmente ter seus reflexos na crase. Quem não usa artigo vai a França, a África, a Haia; quem o usa, vai à França, à África e à Haia."

Fonte: sítio "Sua Língua".

Paulo Araujo disse...

Em Recife, quem não diz 'no Recife' demonstra logo que não é recifense.
Interessante, e não sei explicar a razão, dizemos 'em Portugal, em Cabo Verde, em Angola, em São Tomé e Príncipe, em Timor e em Moçambique',mas dizemos 'no' ou 'na' para todos os demais países (inclusive Guiné), se não me falha a memória. Dizer 'estive em França' será considerado pernóstico e dizer 'estive no Portugal' será inusitado .

Virgínia disse...

Se nos ativermos ao critério do número de falantes que diz ou escreve determinada coisa (a famosa abordagem de "mero registo" ou "mera observação", típica da Linguística), muitos dos comentários do Helder (e de todos nós) deixarão de fazer sentido.

Quando um topónimo tem artigo na língua original, não me parece que devamos soçobrar na dúvida. A preferência pessoal também me parece critério difícil de aceitar num caso destes. Existe uma explicação para a ocorrência de artigo nalguns topónimos portugueses, mas não vou aqui alongar-me sobre o assunto, que todos devem, de resto, conhecer.

E quem disse que os escritores foram sempre utilizadores exímios da sua própria língua, para brandirmos a sua prosa como exemplo a seguir cegamente? Não é conhecida a polémica entre Camilo C. Branco (que, claramente, não tinha razão, mas não queria dar o braço a torcer) e Carlos de Laet sobre a frase, do punho de Camilo, "houveram coisas terríveis"? O argumento da autoridade dos grandes cultores da Língua deve ser usado com parcimónia...

Quanto a "Águia da Haia", não deveria chocar-nos mais do que "Águia do Porto". Mas esta é, claro está, a minha humilde opinião.

Se formos aos "corpora" pesquisar frequências de ocorrência para muitas das coisas que corrigimos, deixaremos de as corrigir, rendidos aos números...

Por mim, tal como corrijo "em Porto", continuarei a corrigir "em Haia", alheia ao número dos que desconhecem que os topónimos Porto e Haia têm artigo.

Anónimo disse...

Se nem os grandes mestres do idioma nem o uso que têm feito os falantes comuns servem para definir o que é certo e errado nessa questão, fica a dúvida: QUEM determinou que Haia deveria ter artigo? A senhora revisora? Algum gramático de renome? Em qualquer dois casos, há argumentação que sustente essa escolha, ou é mera imposição?
A mim parece-me que estamos diante de mais um ranço gramatiquesco sem fundamento. E bater o pé e dizer que "Haia leva artigo" é tão válido quanto dizer, simplesmente, "Haia não leva artigo. Opinião de um contra opinião de outro. Repiso: quem determinou e com que critério?