26.6.10

«Carro eléctrico»

Veremos, se cá estivermos


      Em comunicação pessoal, afirma Fernando Venâncio: «O carro eléctrico (o utilitário) vai tendo a mesma designação que o carro eléctrico (o transporte público). Quanto tempo poderemos (ou deveremos) aguentar essa sobreposição semântica?»
      O que penso, e respondi, é que o meio de propulsão não tem interferido, até hoje, na designação do veículo que continuamos a conhecer como «automóvel». Assim, posso estar enganado, mas nunca nos iremos referir ao automóvel movido a electricidade como «eléctrico», ficando assim a designação reservada para o veículo de transporte urbano de passageiros movido a electricidade, sobre carris de ferro. Afinal, ninguém diz «vou a Sintra no meu gêpêele (GPL)».
      Fernando Venâncio contrapõe: «De momento, lê-se (e, infiro, ouve-se) carro eléctrico, por extenso, para o automóvel. Já nisso há uma sobreposição.»
      Sobreposição semântica parcial será, pois o que eu ouço e leio é «eléctrico» para o transporte público. «Carro eléctrico» para designar este é de rara ocorrência na oralidade, e na escrita somente em casos mais formais, como «Museu do Carro Eléctrico».
      «A Siemens vai produzir sistemas de carregamento para veículos eléctricos a instalar nas habitações, no âmbito do programa de mobilidade eléctrica (MOBI.E) que está a ser desenvolvido pelo Governo, anunciou ontem o presidente do grupo em Portugal» («Carros eléctricos carregados em casa», Diário de Notícias, 15.05.2010, p. 47).
      O que pensam os meus leitores desta questão?

[Post 3630]

2 comentários:

P. Guerreiro disse...

É verdade, já me deparei várias vezes com esta ambiguidade; é um problema. Por acaso costumo utilizar "carro eléctrico" para referir o transporte colectivo, não recorrendo à redução monovocabular. Então, para diferenciar os dois conceitos, e referindo-me ao utilitário, dei por mim a dizer: "os carros eléctricos, quer dizer, os automóveis eléctricos ..."
Não dá muito jeito - a expressão é longa - mas é a solução que uso.
P. Guerreiro

Jorge Candeias disse...

Penso que me faz uma enorme urticária uma mania que parece recente em alguma intelectualidade portuguesa. A mania de que tem de haver, ou deve haver, uma relação unívoca entre palavra e significado. A vontade que me dá é dizer-lhes que não é assim, nunca foi nem nunca será, que as línguas funcionam. As palavras costumam ter vários significados, e não só na nossa língua mas nas outras também. E em geral os utilizadores da língua não têm a mínima dificuldade em distrinçar pelo contexto um significado dos outros.

Esse tipo de ambiguidades, aliás, só enriquece o uso da língua. É autêntica lenha para o fogo da literatura.

Portanto, se carro elétrico, o veículo utilitário, ficasse com o mesmo nome de carro elétrico, o transporte público, eu diria simplesmente "e daí?"

Mas não me parece mesmo nada que isso venha a acontecer. Concordo com o Hélder: um automóvel é um automóvel. Um carro é um carro. Um autocarro é um autocarro. E um elétrico é um elétrico e implica a existência de carris. O tipo de motor só tem importância quando ele provoca alguma alteração na estrutura básica do veículo. É o que acontece com os tróleis; se não fossem aquelas varas (e não sei se o termo é correto, mas suponho que pelo menos não é incorreto), seriam simplesmente autocarros.