21.8.10

Léxico: «macaréu»

Para a troca


      Como nos acontece em relação às pessoas, também há palavras que nos parece já termos encontrado alguma vez. «Macaréu» é uma delas. Na crónica de Nuno Rogeiro no Jornal de Notícias de ontem («Águas profundas», p. 9), fui encontrá-la: «Parece natural que, face a terramotos e macaréus, incêndios e vendavais, a primeira reacção seja a da ajuda, pura e simples.» Está a falar do Paquistão, um país com «vida tribulada» (mais antigo e próximo do étimo latino que «atribulada»). Se estivesse em amena conversa com o autor, agradecer-lhe-ia as palavras, e sobretudo «macaréu», mas também lhe perguntaria se queria mesmo manter esse disparate de «catástrofes humanitárias»; perguntar-lhe-ia se as primeiras estimativas para a reconstrução do Paquistão apontam mesmo para «15 biliões de euros» ou se não será um valor com uns zeros a menos; dir-lhe-ia que se não escreve «as referidas vinte milhões de almas», mas «os referidos vinte milhões de almas».
      Macaréu. Dos três dicionários aqui mais citados, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora é o que apresenta a melhor definição: «Onda de maré formada pelas grandes massas de água acumuladas na preia-mar, à entrada de certos estuários, e que avança, em forma de muralha, pelo rio, após ter vencido a força da corrente deste.» O verbete do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa precisa claramente de ser revisto.

[Post 3807]

1 comentário:

Anónimo disse...

O da Porto Editora foi o que comprei primeiro, aos 10 anos, é o que mais frequentemente consulto, e não é pior que a generalidade dos dicionários. Mas a nódoa cai em qualquer pano.
Ensina João de Araújo Correia, escritor dos mais puros e correctos do último século, que com «após» se usam formas substantivas e não verbais; com estas escreve-se «depois de». Assim, na definição citada, «depois de ter vencido a força da corrente», e não «após ter vencido a força da corrente». Veja-se a sua «Enfermaria da Linguagem», em página que não indico, por não ter a obra à mão. Desta regra, como de outras muitas, tem-se feito letra morta nos últimos tempos, decerto por influxo das traduções maciças (e não «massivas») do francês «après», quando esta língua ainda estrebuchava, antes do golpe de misericórdia que lhe desferiu o inglês via EUA. Mas basta consultar qualquer clássico para a ver observada.