19.8.10

Sobre «conceção»/«concepção»

Desortografias


      «Leio, por exemplo, na pág. 20 do último número do J/L, Jornal de Letras, Artes e Ideias, de 11 a 24.8.10, que “para a autora é essa uma das principais linhas da sua conceção de poema (…)”. A culpa da “conceção” não é evidentemente do autor do texto, mas da redacção do jornal. O J/L pertence ao grupo Impresa e este resolveu adoptar as pseudo regras dessa enormidade que dá pelo nome de Acordo Ortográfico» (‘Silly season’ e ‘silly country’», Vasco Graça Moura, Diário de Notícias, 18.08.2010, p. 50).
      E por falar de desortografia, muito se descuidou o colunista ao escrever «pseudo regras». Estilhaçaram-se os telhados de vidro. Continuemos: «Se isto já envolve o recurso ao mais aberrante dos instrumentos utilizáveis, no caso de “conceção” as coisas vão ainda mais longe e entram patentemente no domínio da “desortografia”. É que os dicionários brasileiros não registam “conceção”. Registam, normalissimamente, “concepção”. Não há qualquer dúvida. Consultei o Michaelis e o Aurélio. Nada. Ainda admiti que os volumes em suporte de papel estivessem desactualizados. Fui à Internet consultar as versões on line. Nada…» (idem, ibidem). Aqui, francamente, não percebo. Se na norma brasileira da língua portuguesa se articula o p de «concepção», como queria que o não grafassem? Peguemos num exemplo ao contrário. Acaso os dicionários brasileiros grafam o c de «facto»?
      Não sou defensor deste acordo ortográfico que entrou agora em vigor, mas sim da coerência e da sensatez. Já aqui falei do caso de «espetadores», vocábulo com que Vasco Graça Moura exemplifica, dizendo-o «alvoroçadamente cunhado pelo Expresso», o descalabro ortográfico, donde colijo que também é adepto de uma ortografia ao gosto e medida de cada um. Ora, tal é inadmissível.
      Para terminar, não percebo porque é que se há-de grafar a abreviatura de «Jornal de Letras, Artes e Ideias» com barra, J/L. Tão incorrecto como escrever C/M para «Correio da Manhã», D/N para «Diário de Notícias», J/N para «Jornal de Notícias», etc.

[Post 3795]

3 comentários:

Paulo Araujo disse...

No Brasil não usamos 'facto', e por isso registramos somente 'fato'. Quanto ao adjetivo, usamos tanto 'fatual' quanto 'factual' (preferencial e mais frequente, com 'c' sonoro) e por isso registramos as duas formas.

Anónimo disse...

Discordo deste acordo que poucos parecem entender. De facto eu pronuncio concepção e não conceção... Mas já que está em vigor, terei de me ir habituando a ele...

Amélia

Anónimo disse...

O AO 90, estipula:
«Base IV
Das sequências consonânticas
1.º O c, com valor de oclusiva velar, das sequências interiores cc (segundo c com valor de sibilante), cç e ct, e o p das sequências interiores pc (c com valor de sibilante), pç e pt, ora se conservam, ora se eliminam.
Assim:
...
c) Conservam-se ou eliminam-se facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: aspecto e aspeto, cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição; facto e fato, sector e setor; ceptro e cetro, concepção e conceção, corrupto e corruto, recepção e receção;
...»
Demonstra-se assim que VGM é preconceituoso e não leu o AO 90. Ou então será que acha que hoje ainda se deveria escrever "assumpto", "assignalado" e "lucta"?
Mas, é como diz o Anónimo anterior, ele vai habituar-se!