30.8.10

Sobre gralhas

Gralhas e ciganos


      Tanto no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora como no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, a definição de gralha, essas manchas que desvirtuam e desfeiam tantos textos, não é menos que imprecisa. Não: é errónea. A mais satisfatória é a do Dicionário Houaiss. O jornalista Rui Osório, do Jornal de Notícias, escreveu recentemente um texto em que protestava contra o Governo francês por estar a expulsar os ciganos. E, depois, aconteceu isto: «Alguns leitores do JN online não gostaram do meu protesto e indignaram-se com uma gralha que me escapou. Quis escrever “camião” e saiu-me, calculem!, “caminhão”. Foi o suficiente para que os meus críticos me acusassem de “ignorante” e de “cigano” analfabeto, incapaz da 4.ª classe» («Jornalista fingido de “cigano ignorante”», Rui Osório, Jornal de Notícias, 29.08.2010, p. 24). Ter querido escrever uma palavra e sair outra não é, evidentemente, gralha. Se Rui Osório, que é padre, tivesse sido missionário no Brasil, estaria facilmente explicada a troca. Ter alegado que a 8.ª edição do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (e decerto que a edição para (!) 2011 também) «regista “caminhão” remetendo para “camião”» também não é dos argumentos mais contundentes, pois aquele dicionário regista que é variante usada no Brasil. Os Brasileiros usam «caminhão», mera diferença morfológica, nada ralados com a opinião de Rodrigo de Sá Nogueira. O étimo é o mesmo, o francês camion, mas no Brasil estabeleceu-se, ao que parece, uma curiosa analogia com o vocábulo «caminho»: como aquele veículo é para andar nos caminhos, passou a dizer-se «caminhão». Entre nós, não era nada raro, há vinte e trinta anos, ouvir-se «camion» em vez de «camião», e não seriam decerto só os ciganos analfabetos que falavam assim, mas sem dúvida que seriam os incapazes da 4.ª classe.

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