28.11.10

«Alguém/ninguém»

Até ele


      «Era o fidalgo a única pessoa que exercia influência em Bento de Araújo, e tamanha que pudera arrancar-lhe alguns mil cruzados a juros, sob juramento de não dizer a alguém que lhos devia» (Novelas do Minho, 1.º vol., Camilo Castelo Branco. Fixação do texto e nota preliminar pela Dr.ª Maria Helena Mira Mateus. Lisboa: Parceria A. M. Pereira, 1971, p. 213).
      Cá está o grande Camilo a dormitar. Sempre a elogiar a forma como o bom povo falava, e a trocar ninguém por alguém. Acontece aos melhores...

[Post 4135]

8 comentários:

Anónimo disse...

De modo algum. Uma vez por outra todos dormitam, embora Camilo menos do que qualquer outro. Mas não foi ao empregar «alguém» neste e noutros casos semelhantes, frequentíssimos na sua pena, que dormitou. Em português tanto se pode empregar «alguém» como «ninguém» nestes passos. É giro já registado e assente desde muito.
Repito também: antes de emendar qualquer clássico, e Camilo em particular, é melhor a gente verificar várias vezes.
― Montexto

Helder Guégués disse...

Há aqui um choque de génios, e não me refiro a Montexto e a mim, que também o somos, mas a Camilo e ao seu querido João de Araújo Correia. Este filou-lhe, e bem, o erro.

Anónimo disse...

Não há tal erro, Hélder. João de Araújo Correia, a quem já sabe quanto eu prezo, não é homem para dar quinaus a Camilo, «uma sombra picada das bexigas», como ele lhe chamou, mas picado ainda muito mais do génio da língua. Estou a ver que tenho de trazer para aqui o caso devidamente tratado por quem de direito. Espere-se pela demora porque, como sempre, não tenho a livralhada à mão.
― Montexto

Helder Guégués disse...

Há, Montexto. E não mais longe que isto encontra o caso tratado por quem de direito: o mesmíssimo João de Araújo Correia na obra A Língua Portuguesa (Lisboa: Editorial Verbo [s/d, mas de 1959]) que tenho aqui citado nas últimas semanas. Por infeliz acaso, emprestei-a na quinta-feira passada. Contudo, qualquer leitor que tenha acesso à obra poderá ver que é assim.

Anónimo disse...

Não quis significar que João de Araújo Correia não opinasse desse modo: se o Helder o afirma é porque é verdade e o leu na obra que cita ― e que eu não tenho nem li: o único livro de Araújo Correia sobre esta matéria que possuo, mas não tenho comigo, é a Enfermaria da Linguagem.
Não, o que eu digo é que o emprego de «alguém» naquele contexto não é erro, já foi analisado por mestres da língua, e o homem da Régua, com todo o seu mérito, que é grande, e muito me apraz reconhecer-lho, não constitui autoridade que se sobreponha à do homem de Seide.
― Montexto

Venâncio disse...

Helder e Montexto,

A língua portuguesa, de
João de Araújo Correia, é de 1981. Trata-se duma antologia, de textos retirados de obras do autor sobre o idioma (e abundantemente de Enfermaria do idioma[sic]), feita por Fernando de Araújo Lima.

Fiz uma recensão (de página inteira) no número 11 do JL, desse mesmo ano. É um texto, esse meu, em que ainda hoje me revejo: louvo desabridamente e critico com firmeza.

Anónimo disse...

Coincidência: ainda este fim-de- semana, Venâncio, li a sua crónica em linha «Autobiografia», em que alude à tal «crítica a Araújo Correia (na realidade, ao seu compilador)».
Ora pois aqui temos quem por mais de uma razão se pode pronunciar sobre o tal reparo de Araújo àquele passo camiliano, se é que o não fez já na referida crítica...
- Montexto

Venâncio disse...

Montexto,

A minha colecção do JL está guardada nos cafundós duma arrecadação (problema de falta de espaço, que reconhecerá). Mas sei que não fiz, em 1981, comentário ao reparo.

Lendo agora concontradamente a passagem de Camilo, julgo achar sentido para a 'positividade' desse «alguém» no precedente termo «juramento». Mas é só uma intuição.