«Confieso también que me engañaba, y que podría ser que hacer ahora la experiencia me pusiese la verdad delante de los ojos el desengaño; y, estando desengañada, fuese, con ser honesta, más humana» — Cervantes. Espanhol até ao tutano? «E porque el-rei tem tanto cuidado do governo de seu reino e o traz tão bem regido, com ser tão grande como é, o sustenta e conserva unido em paz há muito número de anos, sem nenhuns reinos estranhos entrarem a possuir nada na China, antes a China sujeitou e teve muitos reinos e muitas gentes sujeitas pelo seu singular governo» — Fr. Gaspar da Cruz. Português de lei?
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16 comentários:
Ambas as coisas.
Procurai exemplos nos clássicos, incluindo Camilo, e encontrareis.
- Montexto
E já agora, que se cura de giros linguísticos, porventura menos sólitos, mas não menos portugueses, eu também podia ter dito no anterior comento, decerto para surpresa de muitos, mas de modo talvez empregado também por Frei Gaspar: «ambas de duas», que também se diz, «pleonasticamente, ambos os dois [ou duas, claro], ambos dois», e até «ambas e duas, e ambas a duas», estas duas últimas formas consideradas corruptelas populares por Epifânio na «Sintaxe Histórica Portuguesa», § 176.a), 3), 1).
O vernáculo e os clássicos em geral estão cheios de «coisas espantosas«, para usar de um título camiliano, como não pode deixar de saber quem os frequente com sofrível regularidade.
- Montexto
Este senhor Montexto é de uma petulância que assusta!
Será que ele não se apercebe (talvez voltando a ler os clássicos, de que tanto se arroga conhecedor, a coisa resultasse!) de que este blogue é pedagógico e não apologético!
Ele que vá fazer apologias para outro lado e nos deixe desfrutar as suas (do Helder Guégués) preciosas lições, ironias e pistas bem-humoradas! (com hífen?)
Acho que o Montexto deveria criar um blogue próprio onde pudesse discorrer à farta sobre essas questões de que tanto gosta. Não estou com isto sendo irônico; pelo contrário: a despeito de nossos pontos de vista diferentes no que tange às questões linguísticas (sobre as quais eu o considero retrógrado), reconheço o seu conhecimento dos clássicos e da gramática pura, pelo que o leria com algum prazer e algumas ressalvas. Fica a sugestão, honesta e respeitosa.
a) Será lícito acusar-se de pedantismo uma pessoa cujo único delito é o de citar obras de referência? O comentador R.A. recorre demasiadas vezes ao insulto fácil, quando nada tem a acrescentar aos temas em discussão. Talvez seja a típica pesporrência, própria do convencido, no momento em que se confronta com a treva da ignorância.
b)Gramática pura? Acaso existe outra, alternativa mais escorreita e desejável? É retrógrado o ser-se pela "gramática pura", em oposição a alguma vanguardista "gramática conspurcada"? O facto de as línguas evoluírem através dos tempos - apesar dos rítmos muito mais lentos do que aqueles tantas vezes invocados para justificar rebaldarias - não implica que as respectivas obras de referência sejam pasto de retrógrados e Torquemadas gramaticais.
Muito bem; da discussão nasce a luz (dizem).
Ora pois, como eu vinha a explicar, atente-se só em mais um exemplo das «coisa espantosa» dos clássicos:
Estava eu a seguir religiosamente o estrito récipe de Herculano tomando um caldo de Vieira pela recente edição de 2008 da Leya, S.A., Sermões, quando no de Santo António no Maranhão, II, pág. 101, se me depara a seguinte pérola da compreensão que hoje se tem dos clássicos, a saber: «Vede, peixes, quão grande bem é estar longe dos homens. Perguntando um grande filósofo qual era a melhor terra do Mundo, respondeu que a mais deserta, porque tinha os homens mais longe.»
Assim, segundo esta nova apresentação ou «modernização» do texto, o próprio filósofo teria perguntado e depois respondido: perguntando um grande filósofo ..., respondeu que ...
Sucede que não foi isto que o pregador quis dizer, nem o que realmente disse e escreveu. O que deveras escreveu e quis significar foi, como o atestam todas as outras edições: «Vede, peixes, quão grande bem é estar longe dos homens. Perguntado um grande filósofo qual era a melhor terra do Mundo, respondeu que a mais deserta, porque tinha os homens mais longe.» Note-se: «Perguntado um grande filósofo», e não «Perguntando um grande filósofo». Ou seja, o filósofo não perguntou; foi, sim, interrogado, foi perguntado, alguém o interrogou, alguém lhe perguntou a ele, filósofo, que depois, sim, respondeu. Portanto, não perguntou e respondeu, como se assentou na edição da Leya (perguntando um filósofo), senão que foi perguntado, interrogado (perguntado um filósofo), e depois respondeu.
Mas, como ao apresentador ou «modernizador» do texto do Imperador da Língua Portuguesa não lhe soou aquele «perguntado um filósofo» por «interrogado um filósofo», zás! toca a emendar Vieira (emendar Vieira, meu Deus! Perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem) acrescentando o «n» que, lá na ideia do apresentador ou «modernizador», teria sido deixado no tinteiro.
Concluindo: só para salientar que, se o tal estivesse mais abeberado nos clássicos, não lhe faria espécie nem engulhos o uso de perguntado naquele caso e acepção.
Para rematar, uma cereja em cima do bolo para... amargar a boca e exaltar o ânimo de algum leitor mais... atrabiliário: conste que também está dito e redito, cuido que até por Vasco Botelho de Amaral no seu Dicionário de Dificuldades, que «aperceber-se de» em bom português significa «munir-se de, prover-se de, apetrechar-se de», e não «reparar em, atentar em, advertir em, dar fé de, dar tento de, dar conta de» ou «dar por», acepções em que empregar «aperceber-se de» é nada mais que render-se ao influxo do francês «s’appercevoir», como se tem rendido e continuará a render o vulgo profano e a turba insensata, ainda mais esta do que aquele.
- Montexto
Muito bem; da discussão nasce a luz (dizem).
Ora pois, como eu vinha a explicar, atente-se só em mais um exemplo das «coisa espantosa» dos clássicos:
Estava eu a seguir religiosamente o estrito récipe de Herculano tomando um caldo de Vieira pela recente edição de 2008 da Leya, S.A., Sermões, quando no de Santo António no Maranhão, II, pág. 101, se me depara a seguinte pérola da compreensão que hoje se tem dos clássicos, a saber: «Vede, peixes, quão grande bem é estar longe dos homens. Perguntando um grande filósofo qual era a melhor terra do Mundo, respondeu que a mais deserta, porque tinha os homens mais longe.»
Assim, segundo esta nova apresentação ou «modernização» do texto, o próprio filósofo teria perguntado e depois respondido: perguntando um grande filósofo ..., respondeu que ...
Sucede que não foi isto que o pregador quis dizer, nem o que realmente disse e escreveu. O que deveras escreveu e quis significar foi, como o atestam todas as outras edições: «Vede, peixes, quão grande bem é estar longe dos homens. Perguntado um grande filósofo qual era a melhor terra do Mundo, respondeu que a mais deserta, porque tinha os homens mais longe.» Note-se: «Perguntado um grande filósofo», e não «Perguntando um grande filósofo». Ou seja, o filósofo não perguntou; foi, sim, interrogado, foi perguntado, alguém o interrogou, alguém lhe perguntou a ele, filósofo, que depois, sim, respondeu. Portanto, não perguntou e respondeu, como se assentou na edição da Leya (perguntando um filósofo), senão que foi perguntado, interrogado (perguntado um filósofo), e depois respondeu.
Mas, como ao apresentador ou «modernizador» do texto do Imperador da Língua Portuguesa não lhe soou aquele «perguntado um filósofo» por «interrogado um filósofo», zás! toca a emendar Vieira (emendar Vieira, meu Deus! Perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem) acrescentando o «n» que, lá na ideia do apresentador ou «modernizador», teria sido deixado no tinteiro.
Concluindo: só para salientar que, se o tal estivesse mais abeberado nos clássicos, não lhe faria espécie nem engulhos o uso de perguntado naquele caso e acepção.
Para rematar, uma cereja em cima do bolo para... amargar a boca e exaltar o ânimo de algum leitor mais... atrabiliário: conste que também está dito e redito, cuido que até por Vasco Botelho de Amaral no seu Dicionário de Dificuldades, que «aperceber-se de» em bom português significa «munir-se de, prover-se de, apetrechar-se de», e não «reparar em, atentar em, advertir em, dar fé de, dar tento de, dar conta de» ou «dar por», acepções em que empregar «aperceber-se de» é nada mais que render-se ao influxo do francês «s’appercevoir», como se tem rendido e continuará a render o vulgo profano e a turba insensata, ainda mais esta do que aquele.
- Montexto
Com ser é uma construção originalmente castelhana.
Era extremamente frequente no castelhano do séc. XVI, enquanto em português aparece primeiro em autores que sabemos muito influenciados por leituras castelhanas.
O paradoxo de bastantes castelhanismos de origem é que nos soam tremendamente castiços, mesmo quando (ou sobretudo quando?) docemente arcaizantes.
«Com» + infinitivo, no sentido de «apesar de» + infinitivo, e «com» mais infinitivo como equivalente do gerúndio do verbo no infinitivo, conforme os casos, é português de lei, quando mais não seja, por usado por todos os clássicos portugueses, sem excepção: procure-se, e encontrar-se-á.
- Montexto
A propósito da semântica de aperceber-se e do segundo comentário de Montexto:
O comentador parte, nitidamente, duma concepção essencialista do idioma, em que há valores semânticos "conferidos" definitivamente por "clássicos". Na realidade, o percurso histórico do idioma é feito de múltiplas circunstâncias fortuitas, a que o nosso próprio presente não escapa.
Também eu tenho rebates essencialistas, que me levam, por exemplo, a lamentar a crescente contaminação semântica "castelhana" do port. ilusão. Mas sei que estes processos nos superam e que, com serem cegos..., não são menos poderosos.
Concordo. «Error facit ius», e na língua ainda mais. Mas cabe-nos ir pondo os pontos nos is, quanto em nós couber. Quem facilite já há de mais, e em Portugal nunca faltará. Com isto podemos contar.
- Montexto
«COM. [...] VIII. Concessão; equivale a «apesar de»: com ser rico não deixava de ser infeliz. IX. Condição: com ser prudente goza-se de tranquilidade; «podia ter filhos em seu poder, com tal que fossem havidos de mulher romana», Amador Arrais, “Diálogos”, IV, cap. 9, p. 256; “É uma arte... que se pode aprender... com tal que a natureza contribua com estro e vocação”, Latino Coelho, “Oração da Coroa”, I, cap. 22, p. 407» («Enciclopédia Portuguesa e Brasileira», Editorial Enciclopédia, Limitada, Lisboa, Rio de Janeiro).
- Montexto
«COM. [...] VIII. Concessão; equivale a «apesar de»: com ser rico não deixava de ser infeliz. IX. Condição: com ser prudente goza-se de tranquilidade; «podia ter filhos em seu poder, com tal que fossem havidos de mulher romana», Amador Arrais, “Diálogos”, IV, cap. 9, p. 256; “É uma arte... que se pode aprender... com tal que a natureza contribua com estro e vocação”, Latino Coelho, “Oração da Coroa”, I, cap. 22, p. 407» («Enciclopédia Portuguesa e Brasileira», Editorial Enciclopédia, Limitada, Lisboa, Rio de Janeiro).
- Montexto
Já que se fala de castelhanismos, dêem-se por uma vez exemplos de alguns verdadeiros, mas que, de puro manifestos, alcançaram a invisibilidade da famosa carta de Poe, - quando mais não seja, para manter «sempre rubro, ao alto, a arder», a indignação habitual do vulgo.
Exemplos de castelhanismos propriamente ditos, já denunciados por bons autores («e. g.», V. Botelho de Amaral), mas que nem por isso vão interromper a sua carreira triunfante:
1. o emprego de «haver que» em frases como «há que trabalhar, há que estudar», etc., exprimindo obrigatoriedade, em vez de «ser preciso trabalhar, é preciso estudar, cumpre trabalhar», etc.
2. e o emprego de «resultar», intransitivo, em frases como «algo ou alguma coisa resulta», por «algo ou alguma coisa dá resultado», e ainda o de «resultar em», porque português estreme é usar este verbo em frases como «daqui resulta que muitas palavras ou locuções portuguesas são castelhanismos, e não parecem, e outras parecem, e não são» - «colorem habet, substantiam vero alteram».
- Montexto
No meu penúltimo comentário, «communis» ficou no tinteiro; portanto, tende a indulgência de ler: «error communis facit ius».
- Montexto
Aliás, antepenúltimo. Enfim, já lhe perdi o número. «Emendai com aquela boa vontade e espírito de caridade», etc.
- Montexto
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