4.11.10

Sobre «desprender-se»

E este?


      «Mas de todo o seu ser desprendia-se algo forte e impetuoso, algo audacioso e apaixonado» (Solo Virgem, Turguiénev. Tradução de Manuel de Seabra. Lisboa: Editorial Futura, 1975, p. 58). E este desprender-se, isto é, lançar de si, emanar, exalar, não é, sem tirar nem pôr, o espanhol desprenderse? Echar de sí algo... E, contudo, talvez bem português.

[Post 4049]

8 comentários:

Venâncio disse...

Segundo Davies/Ferreira, desprender-se foi usado em português pela primeira vez por Bernardes, na Nova Floresta, de 1688:

«E a vida, que entre todas estas peças é a que mais nos prende a vontade, esta é a que mais fàcilmente se desprende da nossa posse».

Entretanto, desprenderse era já corrente no castelhano 150 anos antes.

Anónimo disse...

Turgueniev! Eis uma bela ocasião para ser apologético e até ditirâmbico. Aproveitemo-la: é tão difícil dizer bem, como justamente o sentiu aquele rapaz que, aqui há tempos, assim intitulou um seu livro, e tão raras as oportunidades, que se devem agarrar pelos cabelos. Turgueniev, o escritor mais perfeito que ainda me foi dado ler, e a julgar só pelas traduções, e de quem o próprio Tolstoi afirmou que era difícil escrever depois dele: salve!
- Montexto

Anónimo disse...

Mas apontemos à língua, de que acabámos por nos esquecer, com a surpresa do nome de Turgueniev.
Portanto, mais um castelhanismo. Já não bastava estarmos a ficar sem verba, para agora descobrirmos que também somos minguados de verbo sem tacha de estrangeirismo. Boa vai ela!
Acolhamo-nos porém nesta pressa, e sem ir mais longe, à honrada «Enciclopédia Portuguesa e Brasileira» (vol. 8, p. 802) – a meu ver, o maior repositório da vernaculidade portuguesa, – e logo se nos depara «desprendido», como particípio passado e adjectivo no sentido de «que se desprendeu», empregado por António Vieira (1604-1697, «Sermões», V, § 7, n.º 225, p. 138), nascido cerca de 36 anos antes de Manuel Bernardes (1644-1710).
Valentes Davies/Ferreira!
- Montexto

Anónimo disse...

Corrija-se a data de nascimento do padre António Vieira (1608) e, então sim, 1644 - 1608 = 36.

Anónimo disse...

Corrija-se, sim, conforme o último comento. Está-se sempre a cincar!
- Montexto.

Venâncio disse...

Montexto,

Temos de distinguir entre «vernáculo» e «original».

Existe muita vernaculidade portuguesa (verguemo-nos por uma vez a uma leitura essencialista do idioma) que não é original portuguesa. No atinente aos séculos XVI e XVII, importámos muitos materiais castelhanos que se tornaram patrimoniais em português, e que nos soam tremendamente castiços (nem por teima, tirámos esta palavra do castelhano...).

Bom, convido-o a assistir, na próxima terça, às 18.00, na Faculdade de Filologia de Compostela, a uma charla minha, no Simpósio "Línguas em contacto", exactamente sobre esta matéria... e com muito Vieira no cardápio.

Mas não se apoquente. Vai haver um livrinho, disponível dentro duns anitos. Estas coisas pedem tempo.

Anónimo disse...

Soam e em geral são.
Creia que muito folgaria de ir, mas estou demasiado a... oeste (literalmente: milhares de km) de Compostela para isso. Fico atento ao livrinho.
- Montexto

Venâncio disse...

;-)