«Examinei de novo o processo, e trasladei certas passagens que, alinhavadas a outras do referido livro, deram esta novela em que, por felicidade do leitor e minha, não há filosofia nenhuma, que eu saiba» (Novelas do Minho, 1.º vol., Camilo Castelo Branco. Fixação do texto e nota preliminar pela Dr.ª Maria Helena Mira Mateus. Lisboa: Parceria A. M. Pereira, 1971, p. 195).
Na acepção de frase ou trecho de um texto ou obra literária, passagem é ou não é galicismo? Mas Camilo não enjeitou o vocábulo.
[Post 4144]
5 comentários:
É, sim, um galicismo, e, pior, um galicismo inútil. «Passo» serve perfeitamente. Está dito e redito por vários autores, inclusive Botelho de Amaral.
Camilo é das penas mais vernáculas do séc. XIX, e até da língua, o que não significa que aqui e ali não caísse num ou noutro deslize. Por exemplo, usou «legenda» por «lenda», galicismo ainda hoje inaceitável, e «fortuna», que ele próprio reprovou, por «riqueza, cabedais, fazenda», etc. Usou também «por», embora pouco, mas agora muito generalizado, em lugares que exigem «de, a, para com, com» exprimindo sentimento: amor aos pais, desprezo do mundo, ódio à mentira, respeito aos mais velhos, etc. E mais. Veja-se «A Linguagem de Camilo», de Cláudio Basto.
Mas nada nos obriga a repetir o menos bom de quem quer que seja.
- Montexto
Creio que "passagem" será daqueles estrangeirismos que já é inútil combater. Para a maioria dos falantes, "passo" só causaria estranheza...
"Galicismo ainda hoje inaceitável"... Parece que só o é por você e uns poucos. Deixe um tanto desse ranço, Montexto.
Concordo com o segundo comentário, excepto que não me parece que «passo» cause assim tanta estranheza.
Quanto ao terceiro comentário, que admite «legenda» por «lenda», digo excruciado como o outro: «Perdoa-lhe, meu idioma, que eles não sabem o que dizem!»
- Montexto
Já agora vem aqui de molde e talho (para usar de giro camiliano) este passo do capítulo XXIV de «Através da Gramática e do Dicionário», em que Mário Barreto, mestre nunca assaz louvado, responde a um consulente sobre o termo «afectar», e indirectamente à pergunta de Helder Guégués: «Se afectar significa frequentemente fingir, aparentar, uma "graça afectada" é graça que não é natural, que é rebuscada, amaneirada: “Orador, estilo afectado”. O que os nossos puristas, Cardial Saraiva, Silva Túlio, Rui Barbosa, mestre incomparável, e outros autores, catalogaram na lista dos seus galicismos, é o uso de “afectado no sentido de “comovido, movido, tocado de algum sentimento ou paixão”. Puristas castelhanos de grande doutrina, como Baralt e o padre Juan Mir, da companhia de Jesus, também contra esse galicismo têm clamado, mas em vão. Nem sempre, no estudo dos galicismos, pode seguir-se à risca a doutrina de tão ilustres mestres. Há casos em que, com o andar do tempo e pela influência do uso, ela se nos afigura hoje demasiado intransigente.
Acusado de cair em incorrecções e descuidos de linguagem por Carlos de Laet e Bellegarde (e entre os descuidos apontou-se-lhe um “afectado” na acepção de “acometido, salteado” de enfermidade), Camilo, que era polemista insigne, aguentou-se rijamente na peleja: mas quanto ao “afectado de doença moral” foi froixa a resposta que deu aos seus contendores, pois, como diz Rui Barbosa (“Réplica”, num. 205) teve que se valer do Constâncio, a quem, daí a dois anos, no “Perfil do Marquês de Pombal”, p. 163, havia de chamar “aquele desgraçado dicionarista”. […]
Em matéria de linguagem, o inimitável prosador condenou muitas coisas que se acham nos seus próprios livros. Esta contradição vê-se em puristas reflectidos e severos, os quais deixam, quando não escrevem ou não falam de língua, cair-lhes dos lábios ou da pena palavras ou locuções que eles fustigaram e marcaram a ferro quente.»
Acontece a todos...
- Montexto
Enviar um comentário