25.12.10

Como se escreve nos jornais

Caturrice, dizem?


      «Subitamente, os militares [da GNR] aperceberam-se de um Ford Fiesta a efectuar uma violenta travagem, ligaram os rotativos da viatura e um dos militares saiu, dando ordem de paragem ao condutor do veículo» («Fugiu e quis atropelar a patrulha», Reis Pinto, Jornal de Notícias, 17.12.2010, p. 17).
      Se se tivessem dado conta ainda teria sido melhor, mas adiante. Eu pensava, e decerto a maioria dos falantes, que «rotativo» era somente adjectivo. Neologismo, então. E aquele «dando» não é o que Vasco Botelho de Amaral chamou gerúndio copulativo — espúrio na língua portuguesa? E, no entanto, bem arreigado já.

[Post 4230]

9 comentários:

Anónimo disse...

E seria ainda melhor se tivessem reparado em, atentado em, advertido em, dado fé de, dado tento de, dar por.
«Dar-se conta de» é tradução servil, e já se deixa ver que escusada, do francês «se rendre compte».
- Montexto

Anónimo disse...

E o tal gerúndio o escritor que se preze de conhecer a sua língua evita-o.
- Montexto

Anónimo disse...

Não será mais uma importação do espanhol «darse cuenta de que»?

Venâncio disse...

Improvável, meu caro Montexto. Já em todo o séc. XVI o português tinha ali pertinho o exemplo castelhano, bem mais convidativo. Veja então:

1507
Trepando a él acurrucóse, sin darse cuenta, bajo el ala de uno de aquellos pájaros.

1542
viendo que no se daba cuenta de lo malherido que estaba su caballo

1552
se dieron cuenta de que la nave de Pedro de Alvarado hacía agua

1570
Mas, sin embargo, saben bien los indios darse cuenta de los beneficios, los cuales aun las fieras los sienten

Os usos portugueses de dar-se conta são posteriores a estes.

Mas é tradição (e é mais chique) só comparar-nos com Paris.

É por isso, também que a imensa influência do castelhano sobre o português nos passou despercebida.

Anónimo disse...

Não digo que não. Mas eu apostava que o mostrengo só nos começou a sssombrar aí pelo séc. XIX, bem entrado, período de larga influência francelha, e portanto por esta via, e não pelo castelhano.
Mas, seja como for e o que for, não é bom português, ou, em todo o caso, temos melhor.
- Montexto

Venâncio disse...

Montexto,

A distância que vai do purista ao hipocondríaco é, talvez, mais pequena do que, à primeirta vista, julgaríamos.

Eu gosto, gosto mesmo muito, do seu lado purista. Mas tenha alguma cautela.

Anónimo disse...

E ouviu-se um silencioso gargalhar pela blogosfera...

Anónimo disse...

A alguém caberá equilibrar ou pelo menos tentar equilibrar as coisas, porque o barco inclina-se exactamente para o outro lado.
Esta faz-me lembrar a do sargento que perguntou a certo recruta, hoje bem conhecido, se se chamava Arnold Schoenberg; e este: «Saiba o meu sargento que sim. Alguém o tinha de ser, ninguém o queria ser, de mondo que sou eu.»

Quanto ao riso, mais do que silencioso ou sonoroso, pareceu-me muito alvar. Mas já dizia o bom povo, quando sabia a sua língua, o que já agora não costuma, que muito riso, pouco siso. Mas não serei eu que me queixe de contribuir para desoplilar o fígado de quem quer que seja, por muito alvar e parvoinho que ele seja.
- Montexto

Anónimo disse...

Ah, e, Venãncio, eu não rejeito o epíteto de purista, mas o que eu julgo ser é português, - certo, coisa sempre muito mal vista, sobretudo em Portugal.
- Montexto