D’Silvas Filho, no texto «Novos argumentos a favor do Acordo Ortográfico», afirmou: «Diz-se que o acordo de 1990 apresenta os mesmos defeitos científicos que o projecto de 1986. Ora o argumento não é válido na comparação, pois um motivo (além do horror ao cágado sem acento, como lembro sempre) por que o projecto de 1986 foi abandonado era justamente ter soluções inaceitáveis nos poucos casos em que a procura da simplicidade foi imponderada (ex.: *bemaventurado, com possibilidade de retorno da grafia sobre a fonia). Isto não se verifica no acordo de 1990.» Lembrei-me agora desta afirmação quando li esta frase na Nova Floresta, do padre Bernardes: «Determinado tinha S. Agostinho consultar a seu amigo S. Jeronymo sobre o que sentia da gloria dos bemaventurados.» Cito uma edição do século XIX, mas, para o fim em vista, é indiferente. Alguém acredita que tenha havido retorno da grafia sobre a fonia ou perigo de tal ter acontecido? Bem sei: outros tempos, havia menos leitores e mais ouvintes. Ainda assim, é preferível termos o acordo de 1990.
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14 comentários:
Aproveite-se para atentar neste passo de Bernardes, tão ilustrativo daquelas observações de Castilho António e Augusto Moreno, recentemente citadas no blogue, sobre a ordem inversa como a mais natural ao português.
Quanto à grafia das palavras, basta uma pessoa pôr-se a folhear livros desde o séc XVI a esta parte para relativizar a sua importância: praticamente já se escreveu de todas as formas, e ninguém deixou de entender por isso.
- Montexto
séc. XV, FRAD, II.16.5
[...] em aquella bemavemturança nom via alguuns fraires menores [...].
séc. XV, LEAL, 21.2
E se nom quiserem seguir os bem aventurados martires per trabalhos e afliçõoes, aa sua bem-aventurança nom poderóm vir [...].
In: CUNHA, A. G. Vocabulário histórico-cronológico do Português Medieval. Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro, 2007.
Ai, o doce relativismo de que se tomaram, à compita, os nossos amigos Helder e Montexto!
Claro que a escrita acaba por influir, e decisivamente, na fala. Foi o caso de nascer, descer, crescer, e bastantes outros, que passaram, em Portugal, a pronunciar-se com um S depois de escritos assim.
Não tenhamos dúvidas de que, igualmente, a desaparição, na escrita, de C e P mudos vai acelerar (já está a acelerar!) o fechamento da átona anterior.
Se a questão fosse só a dum raro (e etéreo) bemaventurado!
É que haveria também (vou seguindo, hipoteticamente, o Houaiss) bemacababo, bemaceito, bemagradecido, bemamado (ui!), bemapanhado, bemapessoado, bemarranjado, bemarrumado, bemavisado, etc., etc.
Às vezes, a simplicidade é tão demagógica.
Pois é, Fernando, mas no caso, pelo menos eu, só me referi a este «bemaventurado». De resto, creio que a influência da escrita na fala será, actualmente, mais rápida. Não viveremos é tempo suficiente para o sabermos nem vermos, por exemplo, a nossa bem-amada língua passar a bemamada e, no fim, ressurgir bem-amada.
Sobre a evolução da língua, e em particular o acrescentamento do s nos referidos verbos, ver este artigo.
Estive a ler o magnífico texto de Ramón Lorenzo sobre o galego (e também grandemente sobre o português).
O autor é tido pelos lusistas galegos radicais como o Mafarrico em pessoa, porque nega a vantagem duma aproximação ao português (que eu defendo, v. artigo na revista Grial, de Vigo, nr. 186, de 2010) e sobretudo denuncia o dogma lusista da identificação de galego e português (os lusistas radicais evitam, na escrita, tudo quanto lembre o galego).
Para um português, é muito incómoda esta bulha galega, para que há fim à vista. Um português que intervenha neste teatro de guerra é, por definição, suspeito para ambos os campos.
Bom, estou a falar de mim. Desculpem.
bulha galega, para que não há fim à vista
[Pois, pois. Não é só o Montexto.]
Embora, no caso do Montexto, haja a suspeita de que o faz de propósito, para não dar pistas sobre quem é. Já o revivido Thomas Mann, que ontem aqui nos apareceu, encarnou numa de três pessoas identificáveis: editor, tradutor ou revisor.
Caro anónimo,
O tradutor, Herbert Caro, já morreu.
Herbert Caro
Paz à sua alma. Pareceu-me bom tradutor, - descontando-se-lhe os erros ou deslizes que já constituem a marca registada da modernidade, e que, se lhos apontassem, esta arregalaria muito os olhos, exclamando atónita que nunca lhe passara pela cabecinha aérea que o fossem; de modo que, também por aquilo do «error communis facit ius», receio muito que já o não sejam.
Reformas ortográficas
Já cá se sentia a falta do caro Venâncio: bons olhos o leiam!
Mas a minha posição perante aquilo melhor se definiria taxando-a, não de relativismo, mas de indiferença, tanto mais que nunca li nem tenciono ler acordos ortográficos, e continuarei a escrever como me dei ao trabalho de aprender por uma vez, sem voltar a assunto tão perfunctório e até inane. Acordem ou durmam no que quiserem. De qualquer modo, «le prote y mettra de l'ordre», como diria o cínico Arouet.
Galego e Português
O que os Galegos deviam fazer era adoptar de uma vez por todas o Português, e deixar-se de erros e errâncias castelhanas, porque entre a Galiza e Portugal tudo quanto é essencial devia permanecer igual. (Parece que fiz versos sem querer, como Monsieur Jourdain prosa.) O que não for isto não passa de unguentos e paliativos para mitigar a velha ferida, «sempre rubra, em chama, a doer».
- Montexto
P.S. - Qunto ao «s» de «nascer», «crescer» e que tais, tanto se me dá o seu acrescento como a sua supressão, e melhor fora até que nunca se tivesse ajuntado porque «ss» já tem de mais a língua portuguesa, que a tornam mais sibilante do que seria razão, pecha que ainda se agrava no galego com os «xx».
- Mont.
Montexto,
O «x» do galego corresponde ao nosso x (como em eixo), ao nosso g+e,i (como em xente) e ao nosso j (como em xulgar). O som galego é, nos três casos, o mesmo (o de eixo, portanto). O galego perdeu, há séculos, a sonoridade de várias consoantes.
O caro Montexto não sabe o que diz quando sugere que os galegos se passem ao português. É um destempero, é um desrespeito sem nome pelo idioma nosso amigo.
Mas tem uma boa companhia, minoritária, quase microscópica, mas muito sonorosa, essa. É a dos lusistas radicais. Que têm, eles, um projecto político: humilhar Madrid, pela admissão duma "idioma no español" no território do Reino. A língua, o português, interessa-lhes, para dizê-lo à galega, "un carallo".
Desculpe o Montexto, mas neste particular sou fero, depois de oito anos bem contados de insanas discussões com aquela comandita.
Defendo uma grande aproximação do galego ao português, e expu-lo em artigo que acima referi. Mas serei, por muito tempo, sei-o bem, voz que brada no deserto. Os galegos estão longe de entender-se a tal respeito. E o que nós pensemos, ou proponhamos, pouco pesará na balança.
Em versão cínica: a proposta fundamentalista do Montexto tem tanto peso como a minha moderada. Arquivam-se as duas e passa-se à luta já crónica e devastadora.
Não é tanto que não saiba o que digo, embora também saiba que o que digo, neste particular como em outros muitos, ficará certamente em vê-lo-emos. Lembro só que, como já declarei, a unanimidade nunca se incluiu nas minhas aspirações, nem sequer a maioria ou o mero consenso. Mas também digo que o que vai acontecer ao galego é a cada vez maior aproximação, não do português, mas do castelhano, até à descaracterização e assimilação total. «No time for old men», como se deixa ver pela do «idadismo», e «no time for minority languages.»
Digo-o com alguma pena, sobretudo dos velhos.
- Mont.
Caro Montexto,
Sou (na minha modéstia portuguesa) partidário da Norma AGAL (da Associaçom Galega da Língua) para o galego. Mas considero a norma "oficialista" uma forma legítima do nosso idioma galego-português. Não sou (já o disse) hipocondríaco.
Veja alguma coisa a respeito da Norma AGAL aqui:
http://agal-gz.org/faq/doku.php?id=pt_agal:por_que_escrevedes_tam_raro
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