Fiz uma pequena sondagem sobre o presente do conjuntivo dos verbos «crer» e «ler». Se se lembram, um leitor, Montexto, lançou aqui a provocação: «Guiai-vos também por conjugadores de verbos internéticos: todos os que encontrei juram a pés juntos e mui contestes que a 1.ª pessoa do plural do presente do conjuntivo de verbos ler e crer é leiamos e creiamos. Lindo serviço! Podem assoar-se à parede.» Fui o único a responder desafiando-o a dizer que obras recentes acolhiam as formas verbais «leamos» e «creamos». Não é muito assisado, a meu ver, atribuirmos tudo à ignorância: quer queiramos quer não (e, renitentes, muitas vezes não queremos), a língua evolui. A sondagem, pois. O revisor antibrasileiro foi o único a puxar da gramática de José Maria Relvas (anda sempre com ela na pasta, como um electricista andará sempre munido de um busca-pólos) e a mostrar-me, ufano: «leamos». Uma excepção. Esta gramática é das que não acolhem, como as que foram publicadas mais tarde, as alternâncias das formas de imperativo da 2.ª pessoa do singular diz/dize, faz/faze, traz/traz, etc., mas apenas dize, faze, traze, etc. As mais recentes só registam as formas diz, faz, traz. Tudo ignorância?
A intercalação de fonemas não etimológicos no interior de vocábulos, por acomodação articulatória, eufonia, analogia ou por outras razões, não é nada de novo, nem na nossa língua nem noutras.
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8 comentários:
Já desisti de entender quem seria o revisor antibrasileiro, mas sou levado a pensar que se trate do Montexo...
Quanto à questão suscitada: concordo que não se pode atribuir tudo à ignorância, como se tem feito, e nesse ponto repiso minha crítica à ignorância, não gramatical, mas linguística de alguns.
Montexto, Montexto. Só sei que o revisor antibrasileiro não é o Montexto. Confesso que há alguns leitores curiosos, e um até já aventou a hipótese de ser o pseudónimo de um revisor de apelido Monteiro, mas disso já eu não sei nada. Nem me interessa.
Mantenho o que disse, com base no que aprendi uma boa vez na escola, no que sempre articulei, e nas autoridades que invoquei - Epifânio, Sá Nogueira e Augusto Moreno, a que acrescento Francisco Torrinha, na sua «Gramática», sem mais enquisas, e que, todos juntos, mas já só o próprio «grande, inolvidável e exímio» Epifânio (no conceito de Mário Barreto, que faço meu), valem e pesam mais do que quantos autores «actuais» e (Deus me perdoe, mas lá tenho de usar o termo: seja por uma vez sem exemplo)«modernos» me atirem à cara.
Propriamente esse uso gramatical moderno tem mais de moderno do que de gramatical.
Fazei também pesquisas sobre o uso moderno e actual do «si» e «consigo», e do «ele» e «com ele», do «vosso» e do «seu», e alinhai pelo resultado.
Eu de mim digo: «non possumus». Já sabeis: «RE-SIS-TIR.»
Quanto a quem eu seja ou possa ser, nada faz ao caso, mas tende a certeza de que não me chamo Monteiro nem sou revisor, como é bem de ver pelo número de lapsos de grafia que deixo passar. Aqui interessa somente o fundamento, justeza e bondade do que alguém diga, não do que seja.
Bom ano a todos, e... mais tento na língua (no sentido gramatical).
- Montexto
Por exemplo: mais uma preciosidade bem actual e moderna, que receio conste das vossas famigeradas gramáticas igualmente actuais e moderníssimas:
«Na prática, distingue-se o [verbo] reflexo do pronominal porque ao reflexo se pode acrescentar “a mim/ a ti/ a si/ a nós/ a vós/ a eles mesmo/s” [“sic”] (ex.:’as crianças lavaram-se’ (a elas mesmas)).
E lê-se isto onde?
Precisamente numa obra destinada a corrigir erros e a endireitar tortos de linguagem, o «Prontuário – Erros Corrigidos de Português – Ortografia, Sintaxe e Fonética», de D’Silvas Filho, Texto Editores, 3.ª ed., 2000, p 175.
Pois bem: nas minhas gramáticas, escola e roda, sempre se ensinou, aprendeu e disse:
. eu lavei-me (a mim mesmo),
. tu lavaste-te (a ti mesmo),
. ele ou ela lavou-se (a si mesmo ou a si mesma),
. nós lavamo-nos (a nós mesmos ou a nós mesmas),
. vós lavais-vos (a vós mesmos ou a vós mesmas),
. eles ou elas lavaram-se (a si mesmos ou a si mesmas).
E portanto «as crianças - quer dizer, elas - lavaram-se a si mesmas», e nunca, mas nunca jamais em tempo algum nos dias de vida, «as crianças - quer dizer, elas – lavaram-se a elas mesmas».
Também nas minhas gramáticas, escola e roda, se ensinava, aprendia e dizia: «alguém intitula-se, proclama-se, classifica-se, etc., isto ou aquilo»; e nunca: «alguém auto-intitula-se, autoproclama-se, autoclassifica-se, etc, isto ou aquilo», como agora é muito actual e moderno.
Mais um progredimento e opulentação da língua portuguesa, que tão minguada era, coitadinha, mas ultimamente se tem avantajado e medrado a olhos vistos, louvado Deus, e, com ser tão rústica algum dia, está graças aos modernos tão mudada que a mesma já não é que ser soía, para o dizer com o meu Abade de Jazente.
Etc., etc.
Muito a gente aprende com os modernos!
- Mont.
Queiram pôr (não será mais moderno colocar?) o devido acento em «lavámo-nos».
(De um revisor precisava eu...)
- Mont.
Montexto, não vai dizer-nos que persiste no uso daquelas formas do imperativo, ou vai?
Pessoalmente não persisto, mas reservo-me o direito de as usar quando me aprouver e achar conveniente, nem acho bem que as gramáticas «modernas» as excluam. Conheço populações que as empregam naturalmente.
- Montexto
E não só populações, mas tradutores competentes:
. «Dize mais exactamente a constelação» (Thomas Mann, «Doutor Fausto», trad. Herbert Caro, Dom Quixote, 2010, p. 262);
. «Aquilo que apanhei e que, segundo afirmas, faz com que me tenha prometido a ti - de que, dize-me, deriva aquilo, a não ser do amor, ainda que este haja sido envenenado por ti, com a licença que Deus te outorgou?» (ib., p. 338).
Mas, segundo consta, quem se quede pelas gramáticas e conjugadores actuais fica «in albis» sobre aquelas palavrinhas. Lá se avenha...
- Montexto
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