Como dantes
«Era uma espécie de gorjeio de pássaro, assim como um trinado fluido, produzido pelo contacto da língua com o céu da bôca, de quando em quando, no meio da música» (As Aventuras de Tom Sawyer, Mark Twain. Tradução de Berta Mendes. Lisboa: Editorial Inquérito, 1944, p. 18).
Era assim, como locução substantiva, que se grafava antes do Acordo Ortográfico de 1945 — e depois também, mas os dicionários «inovaram» hifenizando-a, e, desta maneira, tornou-se unidade semântica. Ora consultem aí o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. O AO90 foi mais longe no uso do hífen (pelo menos nestes casos) e escrever-se-á «céu da boca». Entretanto, o Vocabulário Ortográfico do Português (VOP), do Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC), adoptado para o sistema de ensino pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, regista «céu da boca». Como regista barriga de freira, braço de ferro, boca de sino, bota de elástico, caminho de ferro, fim de semana...
[Post 4471]
5 comentários:
O novo AO bem podia ter simplificado as regras de utilização do hífen. No entanto, acho que só conseguiu criar ainda mais confusão.
O velho Bechara não diz outra coisa, e eu tenho-me feito aqui eco dessa opinião abalizada. Já referi uma entrevista — cuido que está disponível em linha — em que o decano dos gramáticos actuais entendia que se podiam e deviam reduzir a quatro as mais de 40 regras do emprego do lábil tracinho. Digno do Guinness...
— Montexto
Quatro? Não sabia que o Bechara era dessa opinião, mas se ele o diz, acredito. Sempre achei as opiniões dele muito sensatas e esta não foge à regra.
Prezado Montexto, mesmo sem procuração dele para tal, mas por também admirar-lhe a competência, agradeço as palavras elogiosas ao Bechara; mas deponho-o do trono de decano, cujo 'rei' é o Domingos Paschoal Cegalla, "autor do Dicionário de dificuldades da língua portuguesa, da Novíssima gramática da língua portuguesa, do Dicionário escolar da língua portuguesa e da Nova minigramática da língua portuguesa, todas elas consagradas obras didáticas", como registra a Wikipédia. Nasceu em 1920 e tem boa saúde; Bechara tem também boa saúde, mas apenas 83 anos.
Estamos de parabéns: o estudo da gramática parece fomentar a longevidade. Alguma compensação havíamos de ter...
- Montexto
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